domingo, 19 de outubro de 2014

Pernilongos

Os pernilongos voam. Fazem sofrer. Sofreram uma mutação genética ao longo dos tempos. Tiveram que se adaptar. Os pernilongos zumbem, e o zumbido que eles emitem ficou mais alto em graus de decibéis. Pudera. Com a expansão dos eletro-eletrônicos é barulho pra burro na sociedade das cargas. Os cachorros têm uma audição mais apurada. Sofrem com os sons de bombas. Sofrem com aqueles carros nas ruas que tocam os batidões em último volume. Os animais sofrem. O ser humano antes de tudo é um animal. Tanto nas funções mais primárias da vida, quanto em momentos como esses, quando soltam bombas e rojões a esmo, incomodando os melhores amigos dos homens e seus donos; quando equipam seus fuscas velhos com aparelhos novos para fazer o chão tremer quando seus carros passarem. As orelhas devem ser a parte do corpo que tem o sangue mais saboroso. É impressionante como o senso de direção dos pernilongos os leva diretamente para elas. As orelhas. Elas que ouvem o excesso de barulho do mundo têm mais uma carga: aturar o vôo rasante dos insetos que gostam do vermelho da carne mal passada dos bípedes. E são rápidos. E são muitos. E são grandes. De onde surgem tantos é uma incógnita. Ou talvez não seja. Mas é uma informação que precisa ser buscada por quem a acha necessária. Nos dias quentes, ventiladores e outros aparatos de refrigeração são elevados a um nível de importância master. Fazem ruídos. Burburinho de cochicho ou gritaria de feira livre. Livrai-nos do mal. Há o regozijo de meter a mão e matar um vendo o próprio sangue que se esvai em outro ser. É a conjunção cósmica. O universo que conspira ou a conspiração do universo? Paradoxo. E os pensamentos partilhados estão como que armazenadas na nuvem, no drive virtual, um lugar onde nem todos podem ter acesso e grande parte desconhece que existe. Muitos decibéis. Como uma nuvem de pernilongos que se juntam e impedem o caminho em final de tarde. A meta é passar por eles – pernilongos e pensamentos -, buscando o menos sofrer, almejando o mais voar. Com autonomia de quem não depende de milhas. Com uma melodia alegre na cabeça e no ouvido. Passando pelas mutações necessárias. Se adaptando.