terça-feira, 29 de outubro de 2019

10 anos de textos em blog - ou onde o alvo não foi páreo para o mosquito e vice-versa e prosa

Imagem: Projeto vetor criado por freepik - br.freepik.com

HOJE me pus a pensar — e o calor de ferver os miolos fez da cuca panela de pressão a soltar fumaça pela nuca —, que já são 10 anos a escrever no blog. Não exatamente no dia de hoje. No ano de hoje, digamos. Uma linha espaço-tempo 2009-2019. Um trabalho intermitente nas intermitências da vida, mesmo antes das reformas trabalhistas que visam diminuir o que já é parco para o povo, e aumentar a contribuição, fazendo com que as massas trabalhem até a morte. Quedê os aspirantes a advogados e seus Vademecuns para dar um vade-retro a esse bando de satanás? Pensar sobre tudo isso é como rabiscar palavras em pé, sobre um bote desgovernado que beira o abismo de cataratas, nas mãos um caderno que desbota com as águas que batem nas folhas finas, no país das verdes matas que ninguém mais vê, onde só há fumaça pelo ar. Uma correnteza inconstante. No entanto, no avante de marinheiro timoneiro que guia seu próprio manche, é minha atividade mais constante (apesar de não ter regularidade e pontualidade britânicas), deixando quem espera por texto novo por vezes num chá de cadeira das cinco ao triplo, com os glúteos quadrados de tanto esperar, e, para outros, mesmo escrevendo parca e poucamente, julgam-me assíduo demais no compartilhar de ideias com o mundo virtual, achando desproporcional (e até desnecessário) eu postar algo de quando em nunca. Frivolidades de conversas de botas batidas, ou de tiazinhas vizinhas de muro.

Por vezes vizinhos são mais que parentes, pois se assemelham em reivindicações de bairro, de ruas, de quadras, de uma quadra poliesportiva na rua, no bairro. Uma praça do meu bairro tem o nome de um morador falecido, que conheci, e que morreu novo, por complicações em uma cirurgia. Ficou fincado ali pra sempre o seu nome, e sua história de vida será lembrada por aqueles que o conheceram sempre que passarem pelos arredores de sua praça dele. Tornou-se imortal. Vizinhos imortais no calor são os pernilongos para quem mora onde perto há mato. Digo mais: são parentes! Sangue do meu sangue! Dá até certa parcela de culpa após esmagá-los com a palma da mão e ver que o sangue que dele fica marcado (como borrão de artista pós-modernista) é o meu, e daí vem a constatação inerente — mas que às vezes a gente se esquece —, de que quando morre algo vivo no mundo também morre uma parcela dos que ficam, e por tabela a nota dez que era tirada outrora na aula de educação física não correspondia às aulas de biologia, onde só se passava raspando, sem raspas de material genético que seria congelado para ser examinado posteriormente. Posts posteriores: por isso os hiatos.

Escrever é a posteriori. Primeiro vem o viver, o sentir, o ver, o ler, o ouvir, depois vem o pensar, refletir, analisar, ponderar, e aí, só então, bem depois, alguma palavra pode ser dita sobre algo. Isso no meu caso. Não tenho a rapidez de repentistas ou MCs. Tenho o vagar de burro que mastiga a grama como chiclete, até que essa mesma grama seja engolida e digerida e vire parte do corpo todo. Escrita é "atchim" de capim. Desculpe o cuspe. Das muitas pernas da centopeia do escrever, não posso me esquivar da onomatopeia. Nunca fui de tomar notas na hora. Sempre levei caraminholas na cachola na sacola da feira de palavras pra casa, pra, chegando lá, começar a juntar outros ingredientes no liquidificador e fazer meu suco de carambas e carambolas. Caramba é estupefação. Carambola é pesar.

O astro rei altaneiro está desmilinguindo peles com afagos nas faces. Queima, queima, queima, e depois o tempo pede perdão e concede paraíso (eterno enquanto dure) nos jorros de ar no fim da tarde, começo da noite, sopros gelados depois de um dia quente, que fez escorrer carapuças, derreter bochechas de cera, desmanchar caras fechadas. A brisa boa dá alento, lentifica as horas, deita corpos por ora nos chãos de piso de mármore. É como um sorvete chupado e engolido por fora, onde a refrescância é reversa, avessa dos reveses do planeta cada vez mais frigideira de pururucar pessoas. Na boa: o sangue que sai dos humanos pelas chupinhadas dos pernigas deve pelar pra dedéu. Um sangue quente dos infernos! Uma bebida quente para esses seres oportunistas chaparem o coco, ficarem bebinhos, pelo átimo de vivência que têm: vivem intensamente! “Irmãos!!!, Ouvi um aleluia?!”, pregará um deles (na língua pernilonguística), na profusão de rezas que são os zumbidos nos ouvidos do serumaninho jogado no sofá, ao deus dará. “Amém!”. Pernigas de perifas: uma igreja ao lado de um bar, ou vice-versa, ao longe e ao perto, na paisagem. Vivas aos que vivem e ais aos que se foram ou esperam ir na santa paz.

Em 10 anos quantos pernilongos mortos? Quantas pessoas? Quantas palavras jogadas ao léu? Aos céus? Quantos réus e juízes em voga, com toga e tudo? “Falam muito!”. Escuta-se pouco. Roucos são todos tolos que tentam se fazer ouvir por vias e meios difusos, emissores sem destinatários. Grave. Greve. Greve à falta de ditos. Por não ditos, fica o que segue. Daqui pra adiante, três tentos pro fim do mundo, três textos pro fim do ano. Leia-me: Beltrano (a), Ciclano (a). Há nomes dele/dela. Há tremores invernais no verão. Há ciclones que levam pra frente (ou pra cima) “uma pá” de coisa fincada e enterrada com pá outrora. “Ô, glória!”, “ô, Glória”... Não sei opinar sobre esse espetáculo que é documentário e por vezes parece ficção. Só uma imagem, sem mais. Isto não é telona nem telinha. Isto não é jornalismo. Isto é quase literatura (com um élê minúsculo talvez seja). Letras. Com música de Germano e letra de Aldir pra ficar por aqui: "quero danças sobre as ruínas dos reinos da escuridão... mas vou precisar de vocês!":