quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Todo natal descende de dezembro?

Todo natal descende de dezembro? Tudo são convenções...

Esse ano que finda tentei dar nome aos bois. Erro. Mas o erro, nesse caso, fica para dar ênfase ao estilo e pela relação do erro com o esse. Esse erro. Não, não é poesia, mas também talvez não seja prosa, seja apenas berro que encerra algo que vem gritando de dentro, causando agitação dos órgãos internos, náusea, até surgir em refluxo, nada róseo. Parei!

Quando vem o fluxo de palavras cadelas, correndo em matilhas de lobos selvagens desafortunados pela seca de um pasto ralo, acaba-se o tempo de correr atrás do próprio rabo. Corre-se atrás de algo outro, inominado. Correm-se riscos. Nessa virtualidade arisca onde há profusão de informações que passam como riscos-raios de Thor-Trovões, céus dos olhares se escurecem em face do turbilhão. Perde-se o fio da meada como agulhas em palheiros. Cigarros de palha não são mais tão acendidos. “Aceite...”. Aceito. "Mas pra que um bloco de palavras encalacradas nesse meio? Urgimos títulos concisos e diretos que, se possível, esmiúcem o assunto o máximo que der, para não ser preciso clicar e ver mais do mesmo", indagam. Indago-me: Pra quê?

Por isso, nesse, divido os blocos, sem bloquear-me. Ao passo, não abro caminhos. Apenas jogo algo ao léu do julgo alheio. Refino o meu crivo. Dou meus pitos. Solto a fumaça do tabaco queimado na cachola. Tenho a pachorra?

Ah... Fugi do tema. Nem tanto. Durante esse ano, quase tudo que escrevi nessa parede de pedra da minha caverna tecnológica teve relação com os meses. Vejamos:

“Janeiro passou com tintas incólumes, como se não houvesse existido. Natimorto. Não há outro jeito de dizer isso.”

“Em fevereiro tudo volta ao normal (que é relativo), após o carnaval (que é absoluto). Partidas dão vida aos domingos à tarde.” 

“Abril está se fechando. Quem viu, viu, ou mentiu que viu como os adeptos das brincadeiras do dia primeiro.” 

“Maio, moiô, caiu, derrubou. Derrubaram! Foi duro o golpe, e só cai quem está de pé. Quem cai está só. Só.” 

“Emburro. Calo. Eles esfregam os prêmios na minha cara e me dão croques e beliscões. Chamam-me de Junho e riem, riem, com impostação na embocadura. Fico frio. Meu nome é Junho, e estou indo embora.” 

“Setembro citando agosto: Um pio no último fio do mês era anseio, mas pelo receio no meio fio, ou pelo freio que veio, ele não veio. Meio feio, eu sei... E a folha do calendário virou. Passou.”

“Não me lembro de um primeiro outubro. Lembro-me do vermelho (o filme), e do rosa (a causa). Ainda nele, por agora. Não lembrar é lapso de memória relapsa que seleciona fatos ao bel prazer, ou, não conta até dez antes de rodar a roleta do que fora guardado, contando apenas até o mês nove, e no fim a bala nunca alcança o destino no tiro ao alvo do mês posterior (dez), saindo pela culatra.”

Taí. Quase tudo. Nessa retrospectiva revejo o que passou. Retomando abril, quem viu? E quem disse que viu, viu ou mentiu? Difícil. Visualizações não são convertidas em curtidas, compartilhamentos, comentários. Mas será essa a única medida? Estou choramingando lágrimas de crocodilo? Estou mendigando? Pedindo migalhas? Apenas estou. Constato. Meço-me. "E agora, José?" virou música. Nesses momentos, musico-me.

A pergunta que fica: Todo natal descende de dezembro? A minha resposta: não sei. Tudo são convenções. O que sei é que esse texto descende de todos os anteriores. Podem existir vindouros, sim, mas também existe o talvez, os “por quês”, as olhadelas para baixo do topo do último andar, os pulos suicidas ao desconhecido — qualquer aventura que resulte em bem-aventurança ou desventura —, que podem resultar em chão de outra matéria, feita de sonhos, como em "Abre los ojos", o filme, (o original espanhol e não o americanizado estrelado pelo famoso “Cristo” da Cientologia), o que não trará estragos à carcaça. Talvez o requinte de corda que segura Tom Cruise na sua missão. Impossível? Não. Ressuscitará no terceiro dia. "Ressuscita-me". Valha-nos Maiakovski, Caetano, Gal. E tal. Natal. Vez. Vezes. Não existe ‘talvezes’. Ok! Parei de novo. Por aqui, no “e agora?”, antes de nada, antes de tudo.

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Em sentido ao talvez

Os encontros com outrem faziam o que era rija certeza se transfigurar em vaga dúvida. Ao mesmo tempo em que pulava e achava possível o voo, a força da gravidade o repelia. Achava que lia o que estava escrito nas entrelinhas. Até cria ser possível alguém escrever certo em linhas tortas. Andava cambaleando rumo à linha do horizonte. Do pé do monte olhava o cume e o vento que translucidava não era do vácuo de um cajado passado de raspão na orelha como um puxão forçado. Era pura geleira de tremer dentes, de quebrar beiços, não era de brink’s. Era tudo que não era. Assim sendo, se fosse, só poderia salvar a si mesmo. Assim mesmo, a esmo, um punhado de  fumo puro na palma da mão. O ato de amassá-lo significava transcendência, não um sentimento-folha-de-papel que passando por esse processo não retorna ao que era. Nesse caso, chegava-se a ser o que era do modo bruto, abrupto, forçando, dispersando-se para depois condensar-se na folha de embalagem de pão, tornando o ato mais significativo e relevante do que a compra do compartimento que embrulha. A folha fina e bege, sem querer, ou por estímulo de coisa, inconsciente, chegou ao inconsciente do ser que portava a coisa e conseguiu fazer com que seu destino fosse mudado, o seu fim.  Não era só embrulho de corpo feito de trigo, não poderia ser só isso sua vida ínfima. Era mais. Era parte composição do corpo do cigarro feito por quem não tem pressa nem almeja praticidade, e por isso retoma o hábito ancestral de preparar seu próprio fumo. A liturgia de queimar aquela vida sem vida é o próprio sentido de dar vida ao que não se pressupõe ter. Ele fazia isso muito bem, sem traumas, acreditando estar ele mesmo, o portador do objeto, se conectando ao íntimo dele, o objeto, para após se vestir de nova pelagem que não seja só o invólucro fora da própria alma dele mesmo, o que seus espíritos antecessores de eras remotas aplaudem do mundo astral — nem coisa nem ser, ou outra coisa — onde vivem. Era necessário todo o tique contínuo na bola de pensamento que não exteriorizava. Uma caixa de pandora fechada que poderia ser aberta com vinho de jurema, sem o regurgitar da ayahuasca (quando é preciso retirar o quê de breu dentro do oco de dentro ou para fora do cheio, do seio interno). Ele, pajé, se recusa a fechar os olhos. Quer estar bem cônscio nas horas derradeiras, nos pequenos motes que podem culminar em bote, salva-vidas, ou em sentido ao talvez.

sábado, 29 de outubro de 2016

Abóboras no bananal

Não me lembro de um primeiro outubro. Lembro-me do vermelho (o filme), e do rosa (a causa). Ainda nele, por agora. Não lembrar é lapso de memória relapsa que seleciona fatos ao bel prazer, ou, não conta até dez antes de rodar a roleta do que fora guardado, contando apenas até o mês nove, e no fim a bala nunca alcança o destino no tiro ao alvo do mês posterior (dez), saindo pela culatra. As placas levantadas pelos seres invisíveis que julgam atingem apenas a média, sete, dando respaldo para a continuidade da disputa ferrenha dos dias. Desmembrar de vilipêndios. A pergunta no canto do espelho cantada em fado: “Trinta e trei e o que cê fei, véi? Ficou mais sábio?”, e a reposta sai em eco que embaça o vidro: “Nada... Não sei nem assobiar...”. Não, não é conto de fadas. Reafirmada a afirmação da realidade. Trinta e três. Cristos crucificados não se salvariam. Demais até para Dimas. 33. E o menino morreu enforcado com 13. Menos 20. Sim, sei fazer contas simples, mas mesmo assim às vezes as contas não batem. Para alguns, bater carteira pode ser a única opção. “Credo cruz! Valha-nos nosso senhor Jesus. Que tenha aqueles que morrem jovenzinhos...”. Não chegou à melhor-idade, o filho do Pai — e o moleque, como muitos pelas ruas —, talvez porque alcançara o seu ápice, e após, todo o resto seria declínio. Sabia de antemão, então foi ser o braço direito do criador de todos no céu fabuloso. Fábula se difere de mitologia. Os mitos de hoje em dia deixam muito a desejar se comparados aos de outrora. Outro ponto de vista, vistas dos pontos, Casuarina. Como se pergunta alguém em Star Trek Beyond quando começa a tocar rock'n roll para interferir na frequência das naves que se agrupam como enxame: “Estão tocando música clássica?”. Num possível futuro em uma das linhas bifurcadas do multiverso o rock será clássico. Enquanto isso abóboras são usadas de enfeite na América de lá. Aqui fazemos gastronomia. Valorizamos as caçarolas de nossos antepassados de peles vermelhas, marrons. Comemos até o talo. Sem desperdício. “Será?”. Houve na USP, em São Paulo, uma mostra de cinema indígena com filmes produzidos pelos nativos de cá. Todos têm capacidade de lidar com o novo, mas é preciso preservar as tradições. Se me disserem que “é a crise”, que “a bruxa está solta” taco fogo no meu cabelo e saio correndo pro outro lado com meus pés ao contrário. Monto na primeira mula sem cabeça que topar. O afro-tupiniquim do linguajar assimilado e incorporado na normativa do português-brasileiro é um tapa na cara da high society. Como cantou Duck Jam e a Nação Hip-Hop: “Burguesia, nobreza, elite, alta-classe, são assim que são chamados, não é verdade?”. Sociedade que ainda insiste em não liberar um tapinha 4:20 ou em qualquer outro horário. Sistema carcerário precário que prende em sua maioria afro-tupiniquins. Muitos homens brancos não têm mais o branco dos olhos branco. Enquanto isso, o sorriso amarelo dos bancários vai se embranquecendo com o lucro que obtêm. Bem. João Antônio deu mostras da honestidade do jogo do bicho em Ô, Copacabana! Uma instituição genuinamente brasileira que por mais que esteja na alcunha da clandestinidade, da contravenção, tem idoneidade perante seus pares. É a identificação mútua de quem vê seu semelhante do outro lado da rua (ou do outro lado da tela) e se identifica, cumprimenta, saúda, amigavelmente. Não é uma calçada de Copacabana cheia de gringos vindos para o fim do ano exibindo a sua vermelhidão de pele tostada, sua linguagem quadrada, sem graça, gostando da graça das meninas daqui, fazendo turismo... Com elas. Nem todos. Nem todas. Nada é absoluto. Abóbora é todo aquele que fica com cara de tacho diante de qualquer despacho. Oferendas a Nanã, e que ela não recuse. “Doce ou travessura?”. As fãs dirão que a voz do Rodriguinho (ex-Travessos) é doce... Melhor é doce de banana retirada diretamente do bananal, mais doce do que o doce de batata doce. Antes fosse... E me rendo. Até novembro...

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Um pio no fio das voltas e reviravoltas

Um pio no último fio do mês. Era anseio. Mestre Telê era “fio de esperança”. O mês se foi, a esperança também. Resta rir. E rio, no presente, mas ri mais, no passado. Com “um rio que passou em minha vida” pelas telas de LED e Plasma. Pasmo. Vi pela janela do lado, no intervalo entre uma condução e outra. Fogos de artifício. Grande plasticidade, “nada de plástico”, como dizem. Foi Rio. Quem viu in loco era estrangeiro ou natural das areias de lá, onde o Cristo abre os braços a receber bem visitantes indesejados em Casa-de-mãe-Joana. Tudo bem arrumadinho, bonitinho, daquele jeitinho. Um brilhinho. Isso pra usar a linguagem tão característica de Vini — o de Moraes, e não o do Mexe a cadeira, mora?! Um pastor de igreja com cinco seguidores gritava no microfone alto demais: “abençoai, pai, paizinho, todos que estão aqui na sua presença”. Sérgio Buarque de Holanda destrinchou essas características tão peculiares dos nativos de cá em épocas de lá. Raízes. Mesmo protestantes contemporâneos não conseguem fugir de preceitos de cristãos colonizadores ou de artistas populares. O herói de Andrade ainda diz: “ai, que preguiça”.
Vieram para fechar o mês águas escorrendo, correndo como atletas olímpicas, elas, as águas, eles, os pingos, bifurcaram gêneros, se transmutaram, se espalharam, e seguiram juntos (as).
            Um pio no último fio do mês era anseio, mas pelo receio no meio fio, ou pelo freio que veio, ele não veio. Meio feio, eu sei... E a folha do calendário virou. Passou. “Tudo passa”, tatuagem no pescoço de jogador famoso. Jogar a vida não é fácil: “nem sempre perdendo, nem sempre ganhando, mas aprendendo a jogar”. E quase sempre o que se tem não se quer, tanto quanto o valor só é percebido quando se perde. Segundo psicólogos entendidos dos assuntos dos esportes, uma derrota pode valer o ouro dum futuro vindouro.
            Perdidos no breu da falta de claridade de ruas obscuras em madrugadas tenebres correm atrás de latidas passadas batidas no mês do cachorro louco. Hã?! Louco é pouco! No mais, nada a temer, e mesmo que trema a carcaça, a estrutura óssea é osso duro, edificação erigida com o cimento do discernimento adquirido com a calma dos pequenos montantes de moedas de conhecimento guardadas no cofre por tempo indeterminado. E agora que o lobo mau sopra, ela não cai. Difícil derrubar, e se cair se levanta mesmo depois de furtivo golpe. Periga quando o dedo que é apontado aponta para a própria falta de vergonha na cara.          
           Nem todos os caminhos levam a Roma, poderá haver pés de romã no meio do caminho. Nem toda olimpíada descende da Grécia, piadas de mau-gosto são obstáculos na pista. E na pista dance, até com sapatilha que derrapa. Se o trem sai dos trilhos cabe ao maquinista coragem para assumir sua falta de preparo com a máquina. Se vem turbulência e o avião periga cair, cabe ao piloto com a cara limpa e branca de medo dizer aos passageiros que o fim da linha está próximo. Pode haver reviravoltas, nas voltas que a vida dá. Deve. Por hora, “deixa incendiar, deixa quem quiser ir, um dia a verdade vai ter que sair, mais cedo ou mais tarde não tá mais ai...”. 

domingo, 31 de julho de 2016

Cela

Fazia planos que iria colocar em prática quando estivesse fora da prisão, mas, com o passar dos anos, ia pulando de cela em cela como um Cowboy de circo e seus cavalos amestrados, ou um primata, de galho em galho. Os galhos eram falhos, não se faziam trampolins, e a força levava a um encontro com o chão que não era fofo. Em revolta, queimaria colchões. Duro. Ursos com quem topava não eram de pelúcia, polares, bipolares, sempre vistos em seus dias ruins. Não havia tempo de reconstruir ruínas antes de outro castelo se desfalecer de e por areia movediça da vida. Um peixe acomodado dentro da água, um feixe entrevado dentro de armário cheio de monstros. Medo de sair. Você dirá: cada um no seu habitat! E o bicho homem complicado como si só voltará a andar sobre quatro patas, antevendo os bicos de papagaio que se farão poleiro em suas costas todo o final de expediente. Experimentar não é sinônimo de se adaptar, no entanto, sem a prova do gosto não sem tem a noção do mesmo. Mesmices de idiotices latidas em dias de porcas misérias. Malcriados galos independentes rasgam com as unhas as peles dos próprios donos. Independentes “ninguém manda em mim”, só que, quando falta ração diária, um miado estridente se espalha pelos cômodos vazios do lar de quem foi labutar. Animais domésticos lavam pratos sujos de migalhas. Quem rasteja é inseto. Classificam seres vivos. Árvores choram. Legumes e verduras sentem dor. Ardores. Benesses têm as hortas pessoais bem cuidadas. Enxurradas levam embora cultivos vários se corretas estimativas prévias não foram feitas. Água não é só vida como ninguém vive só de água. Preso entre transeuntes do pátio cheio de luz solar que mesmo assim causava depressão, não mexia um músculo mesmo na luz verde. Amarelo. Vermelho. Preso. Os aparelhos sopravam sinais para quem não enxergava. Entrar na igreja só porque a porta estava aberta era cair dentro de uma piada-pronta. Faróis acesos são necessários para a sobrevivência da espécie. Se construir seria destruir paredes. Pular dentro de esgoto no interior do próprio corpo. Algemas coloridas não fazem a prisão ser mais bonita, doem nos pulsos como as cinzas. Levar ferro. Um homem de aço semideus almeja dias melhores aos filhos seus.

quinta-feira, 30 de junho de 2016

Diário de Junho

Em algum lugar, 30 de junho de 2016.


Olá, meu nome é Junho!


Meus parentes que moram em Recife, Pernambuco, vieram me visitar. De tanto eles me chamarem desse jeito, incorporei. Junho é uma variação do meu nome, na verdade me chamo Júnior. Minha família me chama de Juninho. Não é nada depreciativo, é apenas uma alcunha carinhosa.

Bem. Apesar do diminutivo (grau do substantivo que representa forma menor do que a palavra normal) “inho”, minha estatura é mediana. Não estou de Lero-Lero. Nasci no mês 06. Tenho onze irmãos. Sou o do meio. Apesar de todos em casa serem muito barulhentos, sempre preferi a quietude ao estardalhaço. Leitura e escrita vieram a calhar nesse meu modo, meu ponto de vista.

Nunca fiz "coisas de sarapantar", mas quando pus os olhos em Macunaíma senti identificação porque ele ficou até mais de seis anos de idade sem falar. Igual eu. Todos se espantavam. Meus irmãos mais velhos nunca entenderam bem e por isso sempre fui alvo de beliscões, croques e demais inconveniências. Fui aporrinhado pacas.

Muitos me julgam frio. Dizem que estou “em outra estação”. E estou. The winter is here!

Escrevo meus diários em cadernos de 30 páginas. Quando releio, vejo coisas reais que parecem inventadas e, se já passou muito tempo do fato ocorrido, não sei precisar até que ponto a memória não gerou uma ficcionalidade daquilo.

Nesse meu mês li Divórcio, de Ricardo Lísias, e vi a mestria em entremear realidade e ficção, causando dúvida e comoção na maioria dos leitores. Inspirado no diário da mulher da personagem Ricardo Lísias, fiz o meu. Talvez eu mesmo seja uma personagem inventada, ideia que o meu criador chupinhou de alguém, recriando e transformando. Também terminei de ler Passageiro do Fim do Dia, de Rubens Figueiredo, que descreve tão bem situações e personagens que fica até difícil acreditar que é tudo invenção. A periferia (o Tirol), a evolução das espécies, uma viagem de ônibus, a luta de classes.

A ideia vaga que tinha dos meus parentes de Recife era a de que eles viviam pior do que nós aqui no Sudeste: comiam mal, andavam agachados com o torpor de quem toma lapada no lombo incessantemente e sem dó, a respiração sôfrega de quem suga o ar rarefeito. Mas não. Vieram altivos, imponentes, impositivos, cheios de “ãos” em seus nomes, gigantes que olham formigas. Trouxeram um sotaque incólume, vivo, musical, com muitas nuances nos tons de quem gosta das variantes linguísticas.

Encontrei com eles em dois concursos literários: no Prêmio SESC de Literatura e no Prêmio Off Flip. O primeiro dava a publicação por grande editora, a Record, o segundo premiava em dinheiro os três primeiros colocados e ainda concedia a estádia em Paraty durante a Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) — com sarau e cerimônia de premiação na mesma. Escrevo no tempo passado, pois já estão nele os dois prêmios, e não fui agraciado em nenhum: “fica pra próxima Junho, Juninho, não desiste não, dom”. Meus parentes de Recife, em Pernambuco, vieram aqui e paparam tudo. Deve existir alguma fórmula pernambucana de fazer Literatura.

Emburro. Calo. Eles esfregam os prêmios na minha cara e me dão croques e beliscões. Chamam-me de Junho e riem, riem, com impostação na embocadura.

Fico frio. Meu nome é Junho, e estou indo embora. 

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Maio, moiô

Maio, moiô, caiu, derrubou. Derrubaram! Foi duro o golpe, e só cai quem está de pé. Quem cai está só. Só. Ou com seus pares que por desventura caem concomitantemente. Lugares comuns são óbvios. Comuns têm ojeriza a outros comuns por suporem que são eles comunas.  E se forem? Não podem existir contrários? Unidade? Balela. Jonas dentro da baleia não enxerga o lado de fora. Textos sagrados rasgados. Constituições violadas. O estado é laico. Nem toda dor de barriga é intolerância à lactose. “Tu tá maluco?”. Numa nação de fios-maravilhas utópicos todos vivem em paz. Diria Washington em Philadelphia: "Me explique isso como se eu fosse uma criança de 6 anos". Comunidade delimitada pelas fronteiras territoriais da pátria. Uns estrangeiros rechaçados tratados como quem não quer nada, julgados de antemão gente de brindes que apenas sugam suas cachaças. Outros bem-vindos por serem curtidos em tonéis mais de 12 anos. Estalar de línguas para degustar o sabor do pó branco boliviano ou colombiano esticado na mesa, potencializando a madrugada bem-aventurada dos filhos dos donos do país. Filhos com pais. Costas quentes para o dia e coxas ferventes para a noite. Estalo de dedo. Bruxos e feiticeiras de todos os tipos juntos em festança na cobertura do prédio um por andar. E quem lá embaixo anda pela rua catando latinhas pode perfurar uma delas para se esquentar com crack (pra inglês ver). “A madruga é boladona”. Muitas pedras no caminho. Ai, quem vive nela com um instrumento musical debaixo do braço é vagabundo. Pensamento retrógrado de mais de um século, quando a polícia levava para a cadeia qualquer João com um violão. Influência do jazz. Segue a rima. Mais uma nota, mesmo que seja uma nota só, destoando. Os contratantes pagam pouco, não dão o devido valor, afinal, se dedicar a tocar ou cantarolar é lúdico: “Qualquer criança toca um pandeiro, um surdo, um cavaquinho, acompanha o canto de um passarinho sem errar o compasso...”. Quase brincadeira. “Ó.ká”, era bordão de um patrão português. “Okay”. Invasão cultural norte-americana. Duas opções: Ficar livre das amarras ou colocar a camisa de força e acabar os dias num hospício com menos loucos. De pé. Mantendo a altivez. Jonas — o da baleia —, não saia! Para outros nomes iguais ou parecidos saírem logo vêm as eleições.      

sábado, 30 de abril de 2016

Duas metades da laranja

Abril está se fechando. Quem viu, viu, ou mentiu que viu como os adeptos das brincadeiras do dia primeiro. E nesses dias que passaram muitas coisas vistas pareceram mentiras. Vultos da República, bombas ao léu, fogos de artifício lançados ao céu para celebrar a derrocada de quem estava no poder (ditando as regras). Acusações verdadeiras? Fundadas? No mês em que se comemora o Dia do Jornalista várias declarações sem fundamento, fundamentalistas que forjam ficções, dando conotação de documentário. Se o processo é firmado dentro da lei então pode derrubar. Até as estátuas erguidas pelo povo vão ao chão, e corpos de pedra são arrastados sem deixar rastro. Atônitos seres de cimento que receberam muito, mas não retribuíram na hora necessária. Não demonstraram merecimento. Brincadeiras à parte, laranjas continuam sendo usadas pelos malabaristas nos sinais. Circenses. Morando embaixo de lonas. Cortadas em quatro partes, mantendo-se a casca, chupa-se com gosto a acidez cítrica. Situações críticas amenizadas pela fruta de sobremesa. E sobre a mesa de quem exibiu no peito o orgulho de ser brasileiro com a insígnia da CBF a natureza está morta. Itamar. “E tá mar, céu, água, terra”. Tropical Jorge. Ben. Vem maio. Dia do Trabalho é todo dia para quem trabalha com a vida — não sendo mulher dela —, pensando o melhor modo de perambular pelo solo sem interferir demais no ecossistema e procurando deixar de alguma forma a sua marca. Vender roupa é solução quando nem pro bacião sobra. E na bacia das almas vivamos essa que é a única que temos certeza que temos. Será? 50/50. 100% de chances de viver ou o contrário. Fechô.        

segunda-feira, 7 de março de 2016

Praxes da práxis

Saber se vai chover é uma arte. Além dos mais velhos, que pelos poros, ou pela simples análise do vento ou do tempo — ou dos dois, conseguem obter tamanha informação privilegiada, a página ‘WikiHow’, que é um site que ensina o jeito certo de fazer certas coisas, mostra “como?”. Nela, ter a previsão afirmativa de que o Cantareira receberá algum alento se enquadra na categoria arte. A dança da chuva como exemplo reafirma esse enquadramento. Muitos constroem cisternas para aproveitar aquela que cai de pé e corre deitada. Como o dom necessário ao fazer artístico (questionável), nem sempre se segue uma sequência lógica. E assim, foram as águas de verão abrindo março... Ao contrário, fora de tom, de Tom, deles, Elis. Destoando as cores, azul não tão azul na zona sul. Ele escrevia em muros. Muros são espaços públicos. A internet é um muro. Publicadas muitas coisas que deveriam ficar guardadas, privadas. Quem decide? O Deus bom-senso, que às vezes falta por estar tratando de coisas mais importantes de quem só vive a vida dura fora da Matrix. Posto, postado, escrito, transmitido algo lá, o dono da casa (domínio, página) pode reclamar, chiar, mas os autores usarão a mesma justificativa dos grafiteiros conscientes: A rua é pública! O que ficar escancarado a tantos olhos perde autoria e ganha autonomia, cada qual tendo pra si o que bem entende. E as vidas continuam até serem interrompidas por paulatino ou abrupto fim. Fim. Quebrar um pensamento é cortar caminho por beco escuro, correndo o perigo ou a ventura de encontrar almas desse mundo ou do outro — caso existam. Quem não sabe pra onde vai perde o fio da meada na quina da calçada. Quem tem muita certeza perde o perfil da paisagem esculpido por deuses e homens. Ele via tudo isso quando pichava com a lata fazendo "pxiii" e ele tentando arrumar um modo de dizer pra ela "chiii". Nos silêncios se encontravam. Não era preciso nem um pio. A sós, ele (animado, espirituoso) e ela (objeto inanimado, sem alma, mas que com ele parecia interagir, assumir uma). Após, o trabalho feito, contemplavam o redor, natural e artificial, acreditando nas misturas, aceitando o verão friorento, o vento quente, tentando cravar tranquilidade nas contrariedades. Hidratar com a bendita água sagrada da torneira depois de desidratação com aquela que passarinho não bebe é praxe. Práxis: Espírito da puberdade de quem prática e se descobre.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Mês guia

Janeiro passou com tintas incólumes, como se não houvesse existido. Natimorto. Não há outro jeito de dizer isso. E se não nasceu, não morreu. Vida é Lispector. Vida é Sabino. Vidas Buarques. Machado que corta cordão umbilical não mais necessário. Assaz. Assis. Graças a Graciliano. Influencias são guias. Auxiliam pessoas que enxergam e ao mesmo tempo são cegas. Desprender-se. Ir por si. É preciso tatear, ver com as pontas dos dedos o barro que desmancha, afundar-se em crateras, sentir a rispidez das superfícies ásperas. Imergir. Emergir outro. Firme nas convicções das experiências, próprias ou repassadas. Há quem veja o que ninguém vê, visionários, sensitivos, loucos. Há sanidade nos sanatórios. Nos sanitários, excrementos coletados e depois analisados para decretar a saúde do corpo: “Sai pra lá, Zika!”. Projetos de gentes escorrem pelos ralos. Desejavam vir à tona, mas o desejo latente leva ao onanismo. Sem microcefalias. Em sonhos, poluções noturnas. Mesmo fechando os olhos “tudo está no seu lugar, graças a Deus, graças a Deus...”. Bendito seja Benito. Viajar pode ser físico ou psicológico. Tóxicos podem auxiliar no intento. “É?”. Pode ser... Toda certeza subjuga, toda dúvida traz sombras, sobras, sabres de luz bundas de vaga-lumes que só são bem quistos nos brejos ao redor de vilarejos onde ainda não tenha chego energia elétrica. Corpos têm eletricidade. Dão choque. Chocam-se. Átomos. Domingos se esvaem em átimos. Jogador acometido por mal súbito pode ficar estirado no gramado de vez sem a presença do desfibrilador. Nesse caso, acabam-se as dores. Irá jogar o jogo do eterno. O nada. “Céu?”. Paraíso de Viracopos. Em fevereiro tudo volta ao normal (que é relativo), após o carnaval (que é absoluto). Partidas dão vida aos domingos à tarde. Guia é patuá. Amuleto. Sorte nas percepções. “Manja?”. Iemanjá. Dia 2. Mês de 29. Ano bissexto.