domingo, 8 de agosto de 2021

20/21

 


Cato palavras como quem escolhe feijões. Catzo! Um poliglota translator que navega no mar da internet e pesca coisas aqui e acolá, às vezes boiando, noutras nadando de braçadas. Arriverderci forever. No saco, no pacote, na embalagem, grãos gastos, feios, alquebrados, batidos, em meio a sujeiras e até milho. Ajoelho-me em penitência assumindo erros de tradução dos sentimentos humanos que podem ou não ser transmitidos em fala, em escrita, e marco meus joelhos para lembrar que só precisa ser dito o que não pode mais calar, e que muito do que se diz poderia ter ficado preso na mente, nas barreiras do ponderável, inaudito. 

Já quis transcrever a fala para ser mais fácil. O gosto da palavra escrita é outro. Nem sempre o fácil é o correto. O concreto precisa ser bem batido para não se desmanchar com os solavancos das marés que chegam. Areia demais anuvia a visão cansada de quem já viu quase tudo desse mundo vil, mas que sabe que enquanto viver há sempre algo novo pra ver. É preciso lembrar-se de esquecer e esquecer-se de lembrar. Nem sempre tudo faz sentido. Se me sento é porque estou cansado. Se esqueço dum acento o corretor me lembra. Se me levanto e ando em círculos puxando pela mente uma palavra que fugiu pode ser que não a encontre nos arredores onde vivo e precise percorrer a vizinhança onde moro com a coleira dela em mãos, e, depois de muito andar sem rumo certo, dando voltas pelo quarteirão, perceba que a palavra estava ali, gravada na própria corrente, algo que fiz para me lembrar — caso esquece-se —, e que esqueci de me lembrar. E ela lambe-me a cara e me convida a passear balançando o rabo. “Palavras, essas cadelas”. 

Imagem: Fundo vetor criado por starline - br.freepik.com

Quando ouço o que é dito pelo Sr. Inaudito penso no valor das palavras. Quanta putrefação sai de um esgoto sujo, imundo, hostil, maledicente. Ouvindo, o vocabulário iguala-se por osmose, e nos inserimos num filme nacional, brasileiro, onde sempre dão um jeito de colocar expressões como “merda”, “bosta”, “caralho”, “porra”, o que nesse caso quer dizer “como um ser pode estar dizendo uma baboseira dessa?”, “não acredito!”, “será que estou ouvindo bem?”. Pior é perceber que as palavras perdem o valor quando não surtem o efeito que deveriam como acima, e o que se percebe é uma diminuição do peso e das medidas, como se a bala só matasse quem acredita no tiro, e o atirador não teve a intenção de atirar, inúmeras vezes, em várias direções diferentes. Não há sala e cinema compatível com um público desse. 

Imagem: Apresentação foto criado por tawatchai07 - br.freepik.com 

Ao invés de ver, assistir, leio. Releio. Releio. Todas as parcas palavras que por insistência delas, deveras, são transcritas em papel, em tela. Pudera. A maior parcela do escrevente quer deixar quieto o dedo calejado da escrita. No entanto, no tanto tudo que se passa rápido, randômico, pandêmico, a anemia de quem precisa de mais para comer e não só comida, traça o rastro da vida vadia das unhas que clicam em tecla para tirar todo o pó-poeira que há meses — mais de ano de 12 meses — permaneciam inertes, paradas no tempo como relógio parado, quebrado, que não bate bem da cuca, cuco caduco, e teias de aranha formavam-se em volta do seu bico guardado a sete chaves na portinhola por onde chorara as horas que não se abriam. Preso nesse enredo triste onde faltam pontas de agulhas para imunizar a contento, o descontente dá um pio sem saber ao certo pra quê nem pra quem, crente que sua alma seja salva por suas sete trombetas de bolso, as quais ele toca desafinado na cantilena do apocalipse tabagístico, que não mata logo e talvez nunca mate, talvez não por isso, mas por aquilo, ou falta daquilo, ou doutra coisa qualquer que pode ser enumerada de inúmeras formas já que é isso, it, coisa. 

Imagem: Reprodução 

Precisava ler mais coisas de outros. Aqueles que já passaram pela terra e deixaram suas impressões, seus pisões de pé na calçada da fama das letras. Falta tempo, ou coragem, ou, no tempo que sobra falta coragem para ter tempo. Sobra falta de tempo, ou o tempo perdido com desmilinguidas peripécias que intentam dar menos peso ao ar, à cabeça, muleta Física que faça diminuir a força da gravidade faz ganhar tempo, mas tira tempo.  “Em verdade vos digo” que boniteza no trato não é fineza no conteúdo. Há quem fale feio e é feio por dentro e por fora (como temos visto no cenário político atual); palhaços de terno e gravata que só nos assustam quando aparecem na tela para qualquer pronunciamento descabido. Dá medo dessas coisas! Its. “It malia” é fala popular que pode amenizar por instantes sustos em 4K. Kkk. Riso de medo, mordendo os beiços, dentes semicerrados. Até porque três “kás” juntos não é signo do Clube do Bolinha. 

Girar, girar e voltar ao mesmo lugar. Talvez eu escreva menos por isso. Patino no português. Mesmo nas normas ortográficas acatadas no novo acordo desde 2009, quando uso e abuso das junções de letras que quero bato o cotovelo sem querer na mesa da gramática e o choque é forte, dói à vera. 

Sem base o edifício cai fácil. Tudo que digo pode ser cimento feito de areia de Naia. Não é de nada. Pra quem chega até aqui: obrigado! De nada! Se eu fosse um nadador jamais concorreria em uma olimpíada porque por muitas vezes perco o fôlego e fico boiando na imensidão. Certo é que em outras circunstâncias e ocasiões posso dar de braçadas em volta do planeta, por todos os mares. Maré de sorte para quem não é Mané, aquele que vive em terra plana, cercado de teorias conspiratórias, onde nem jogos olímpicos são ao vivo, são gravados, porque lá é de dia e aqui é noite. No Japão. Fui longe. Viajei. Volto pra minha ilha e espero pescar tubarões. Iscas: palavras, pontos, vírgulas. “Que que é o fim disso...”. Um texto de Dia dos Pais, no "nosso" país, sem pai nem mãe...