sábado, 26 de julho de 2014

Calos nas palmas

   Adquiriu com o tempo um costume diferente. Abria as tampas de garrafas com o dedão e a parte da palma da mão que fica logo após o mindinho. Isso ocasionou um calo. Não sabe ao certo quando começou. A pele da palma, muito fina, sendo forçada dessa forma foi ficando mais dura que o restante. A casca do calo quando passava por extensa exposição à água ficava mole. Isso ocorria após a lavagem de roupas ou de louças, ou depois de um longo tempo no mar ou na piscina. Quando chegava em casa, a pele daquele lugar estava diferente, branca, muito mais branca que a pele branca da palma da mão. Era como uma bolha estourada. Seu prazer era retirar aquela pele - como se fosse uma parte morta do corpo -, e jogá-la ao léu. Ia com o vento. Caia num bueiro. Assemelhava-se ao ato de jogar cinzas de pessoas ao mar. Mas não era. Ou era quase. A pele arrancada ficava cinza, e caia no esgoto para ficar preta, marrom, aquela cor de excrementos (se é que há uma cor predominante). O local do buraco ficava rosado. Daí em diante era o tempo da regeneração da pele, que podia variar. Algo que ele não dominava. Que acontecia sem a sua interferência, o mesmo que aconteceria com aquela sua parte do corpo que fora desfeita e jogada a esmo. Aquilo que não era mais seu era do mundo, da terra, ou da Terra como um todo. Começara a devolver tudo que usufruiu do planeta antes mesmo da morte. Era um pagamento parcelado. E se perguntava: “a pele morta viveria de alguma outra forma?”, e “os mortos reviveriam de certa forma com o usufruto que a terra daria aos seus restos?”.
   Com o dedão da mão esquerda coçava o buraco deixado pelo calo que se foi da mão direita. Tinha duas mãos. E quem não, como faria? Cada caso é um. Tinha duas. Por isso podia fazer o que fazia e qualquer outra coisa.
   Lavava. Não como Pilatos. Era mais um ato de expurgar sujeira. Será que não estaria mais protegido com a formação de anticorpos ou uma carga de poeira? Olhava as estrelas. A vida era sonho.
   E a promoção das tampas de garrafa concedia prêmios. Bastava abri-las, beber o conteúdo ou poluir o solo jogando nele aquele líquido cheio de gás. A repetição aperfeiçoa e cria calos. É isso.
   Cláp! Cláp! Cláp! Alguém bate na porta da frente. Mão na maçaneta para abrir. O que vier é lucro. Ou pode ser alguma cobrança. Para. Engole um soluço, se cala. E com o dedão coça o calo.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Notas sobre a Copa

Disseram que foi a vitória da organização sobre a malandragem. Pelo contrário: o malandro virou mané e não conseguiu frear o pé dos ‘Lemão’. Valha-nos: o ‘bom’ malandro ia dar um jeito de modificar a situação.

Culpa da globalização? Talvez. Falta de identificação com a pátria dos que choraram aos glups durante a execução do hino? Sim e não. Não é recriminável. Mas crocodilos morreram na praia. 
Como dizem: “depois que a onça tá morta todo mundo é caçador”. Fomos presa fácil.

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O Brasil foi outro depois do começo da Copa do Mundo. Senão vejamos: onde antes, às tardes, havia uma porção de programas medonhos, enfadonhos, ‘nhonhos’, surgiram jogos de encher as vistas.

Até os americanos e sua bola de ovo entraram no embalo. Até brasileiros que antes não ligavam muito se alertaram. Afinal, a Copa é no Brasil!

Com os feriados, e o horário reduzido no trabalho, a torcida se intensificou: quem não torcia por um motivo torcia por outro.

O time que representava o país sede tinha um personagem que personifica o craque, o herói, aquele que pode resolver tudo em um lance, feito passe de mágica, em um passe de mágica. Um bruto quebrou aquela varinha de condão e os outros ‘mortais’ jogadores se viram inertes. O verde, os amarelos, os marrons, ficaram brancos.

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Torci, e por que não? Acreditei. Falhei em minhas previsões. Como agora. Depois da raça demonstrada pela Argentina na semifinal, torço pra que consigam, mas analisando friamente, a Alemanha é sete vezes mais time. Levo-me pelo emocional. Como no resultado da disputa do terceiro lugar: que dê Holanda. Uma birra pelo vexame.

Laranjada da boa. Caipirinha leva limão. De repente o caldo pode azedar. É crítico. É cítrico. Que vença o melhor. E que o derrotado “chupe essa manga”.