quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

O primeiro dia deles

Pontual como o sol. Trabalhador braçal. Sem veraneio. Apenas verão. Chorando chuva com porcentagens de alegria e tristeza. Buscando lavar, levar a leveza. Beleza. Água é vida. Brinde ao ser que ilumina. Corpo celeste. Funcionário padrão que chega sempre chegando. Bate cartão. Na hora certa. Roupas brancas abaixo do céu cinza. Solares. Ele quer ser pontual igual. Iluminar o primeiro despertar dela no novo ano, ela que é solar sabe que essa vontade é dela; ele, só quer que ela seja dele, mesminha, nuinha, e nu se prepara para ser menos cru quando chegar esse momento, ser mais ele para que junto a ela possam ser ‘nós’, embromarem-se, embrenharem-se, num ir e vir frigir de matérias rígidas e maleáveis, seguindo os riscos de suor que escorrerão da quentura, agridoces de prazer e satisfação, com mil arranhões sem dedos, abertas percepções. Sempre fora noite, mas quererá prolongar ao máximo esse instante que é finito, tornando-o infinito enquanto dure, e como corre a areia da ampulheta do tempo, correrão um para o outro, um do outro, num brincar lúdico, num erro certo, numa certeza fulgaz, até o astro-rei se pôr no arrebol, na rede. Iluminar-se-ão. Adorarão as suas naturezas indígenas, dóceis e guerreiras, cheias de magias, feitiços, vícios, vincos para regozijo. Luares. Esse o primeiro dia de muitos. Com fôlegos, o segundo idem. Sem, apenas contemplação. Comer com o olho a silhueta alheia, o físico, sugar com beijo o espírito. E devolver. E sugar. E devolver. Ele respira. Um desejo. Um dever. Um devir. Ela que é solar sabe do que ele está falando!  

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

O natal está aceso

“Quem disse que não ia ter natal?” Um mau velhinho lhe disse vendo-o sair da loja dos chineses ‘a partir de R$1,99’ com o saco transparente deixando avistar o montante de luzes pisca-pisca que comprara a preço módico, marca genérica, vindas de além mar sem pagamentos de impostos.

— Ho, ho, ho! Não vai ter natal!

O senhor de barbas grandes cinzas de sujeira vestia uma camisa vermelha de partido político — não por ser militante, mas por que ganhara —, bermuda da mesma cor com o número dez na dianteira da coxa direita e do outro lado um emblema/símbolo/logo que não se distinguia, pelo gasto da tinta antiga. Provavelmente um fardamento de clube de bairro, participante de campeonatos amadores. Futebol e política. Faltava religião como tema para não discutir, pensou ele a olhar para aquele senhor.

Sentado na sarjeta, as pernas esticadas e cheias de feridas deixavam às mostras um pé preto com cascas brancas emoldurados por chinelos brancos e azuis, a parte branca do pisante mais pra amarela (no caso o pisante artificial que substitui ou auxilia ou da folga ou férias ou deixa à vontade o pisante natural). Ao seu lado, três cachorros sarnentos faziam vezes de renas, amarrados ao carrinho que continha papelões dentro.

— Fio, não vai ter natal! —, insistiu — A crise tá braba! —, arrematou.

Ele, por educação, empatia, acessório de civilidade, ou por ser natural do ser humano ouvir o que o outro fala, parou para dar atenção. Símbolos moribundos de uma festa que comemora o nascimento.

A crise — de fora pra dentro — realmente se instalara, já a crise — de dentro pra fora — sempre voltava todos os finais de ano. A contabilidade não batia. Bancos ofereciam crédito para aqueles quais as carteiras convalesciam depois de 365 dias corridos, sofridos. Banqueiros planejavam viagens com as famílias. Férias. Folga. À vontade. Natural, para eles sempre iria ter natal. Os meros mortais da plebe haviam de se virar, antes da virada. Em uma sessão mediúnica perguntaria a Abujamra: “Quem fez mais mal a humanidade: a má literatura, a religião ou os bancos?”. Não estava certo que receberia a resposta.

Alguns planos foram rolhas de espumantes que estouraram em faces estupefatas. Noutros, pôde-se sentir o gosto da vitória de quem sobe no pódio e desperdiça garrafas e garrafas do líquido comemorativo em rodízios de cabeças. Certo. Comemoraria com a galhardia de um pró-seco, íntegro, altivo, se contentando.

A ideia rodava como os giros do eixo da terra, em torno de si. Descontinuar. Mudar a rota, o rumo, para ter mais prumo e não cair bebaço de desgosto, no máximo dormir bem, chapado de satisfação.

Pois bem. Abriu a caixa que comprara e deu-a ao senhor ali. Fez uma reza mental à santa.

— Brigado, fio!

— Qual o seu nome, senhor?

— Eu me chamo Chico —, acreditava em espíritos, pelo menos no natalino, o mais moço.

— Vamos fazer o seguinte: vou colocar essas luzes no seu carrinho, posso?

O velho o olhou com desconfiança.

— Não tem cabimento isso, não. Sem necessidade. Tem nem como ligar...

— Tem uma bateria aqui, eu iria colocar na sala de casa. Como moro sozinho e queria economizar energia, comprei desse tipo. Agora decidi comprar outras pra ligar na tomada.

Deu um colorido bacana àquele amontoado. Bonito, até. O senhor sorriu de canto de boca, com o olhar marejado ou de pura emoção ou das purinha que tomou antes estalando os poucos ‘quase nada’ dentes, ou da mistura das duas coisas, como se tivesse inventado um novo drinque onde lágrimas eram elemento essencial. Pouco. Quase nada. Muito para quem tem menos ainda.

— Brigado!

O natal havia começado, com a bateria carregada e ligado na tomada.

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Destruindo desastres

Desastres destroem a poesia! Ou, na verdade, o fenômeno assume proporções inversas: A cada fatalidade que acontece a força poética retorna com mais viço, mais cheia de vida, basicamente porque a razão de ela existir é o fato de estar viva, e esse é um motivo mais que satisfatório para a celebração. Quando não, a própria emissão do sofrimento em palavras proferidas por sopros sofridos pode ser um remédio natural, tão natural quanto possa ser algo emitido de um corpo cheio de metamorfoses com substâncias sintéticas e sintáticas do mundo exterior. O alimento é da fábrica. O lápis Faber é manuseado por uma mão que se engana, titubeia, erra, corre, se desprende, organismo dissociado, esboçando vitalidade ímpar, como a famosa mão de parente pertencente à tenebrosa família. Famílias na lama vêem o sol secar o barro e as figuras que surgem dessa interação não são arte. Malabarismos para resgatar o que sobrou. O que sobra é resto. O que resta do vocabulário são grunhidos de insatisfação, que nem quem bebe pinga e geme de dor - ou prazer -, se auto-penitenciando - ou em ritual sadomasoquista. O futebol atual ganha ares de arte, de espetáculo, e com isso perde sua naturalidade. As casas dos dirigentes começam a cair e aos poucos vão sendo encaminhados formalmente às penitenciárias, subindo por um túnel rumo a campo desgramado. Pagar dez milhões para responder em liberdade é virar o tapetão e retirar toda a sujeira debaixo para manter-se por cima. Dinheiro sujo. Cinquenta milhões de dólares pela lama que rolou em Minas: É pouco! A natureza perdeu toda a sua naturalidade. E todos que perdem procuram poesia. No jogo e na vida há perdas e ganhos, mas tomar de lavada, de goleada, é receber surra sem conotação prazerosa. É desastroso! Não é mesmo, Brasil? Não é mesmo, São Paulo, coração do Brasil? “Não sou conduzido...”. Tiros de misericórdia são o fim de desastres. Balas atiradas em guerras são só o começo. Sucedem aos quatro ventos, nos quatro cantos do mundo. Rezar por todos ou por nenhum. Na fé religiosa mais fervorosa - e perigosa - quem mais sofre merece o reino do justo paraíso (com virgens ou devassas). O mesmo se dá com a poesia: nutrição por “sofrência”. A diferença crucial e principal é que a segunda pertence ao reino dos homens, do mundano, do humano, e por isso é mais necessária. Trevo de quatro folhas. Sorte. Preparo para as batalhas. Free-Style. Não sou poeta. Ou todos são. E que a poesia destrua os desastres.  

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Cigarrais

Outubro. As cigarras cantam. Cigarra, um nome feminino. Outubro é o mês rosa. Feministas não fazem distinção de cor. O rosa pode ser uma variação do vermelho como sinal de atenção, a atenção que todas as mulheres devem ter às mamas. As cigarras cantam. Dizem que não é a hora, mas elas sabem quando é. Na verdade ninguém sabe qual é a hora, devido aos diferentes fusos horários e também em razão do horário de verão que recentemente voltou a vigorar em alguns lugares, se mantendo ativo desde o seu início de fato no Brasil, na década de 1930, como cantou Noel em 'Por Causa da Hora'. O Noel de vestes vermelhas, barbas brancas que incentiva os pais a comprarem tudo que as vitrines expõem está chegando com suas renas caricatas, de araque e sem arranque, seus anões salva-programas-de-humor-ruins, aquele sino que é sina para muitos, badalando ao lado do saco de bala. Está próximo. O ritmo é sabido. Da pra ouvir a música até tampando os ouvidos. As cigarras não pensam em ritmo. Fazem um aquecimento, como se batessem um brinquedo de bate palmas plástico, como se já prenunciassem o sucesso de crítica e público de antemão. O canto que emitem é apenas em um tom, fixo, rígido do começo até o fim da emissão, mas podendo oitavar, ‘semitonar’, ‘sustenir’ ou ‘bemolisar’ de uma performance solo para outra - poderia se supor erroneamente que isso é música atonal, - e mesmo sem conhecimento de compassos é possível perceber um certo andamento no som que emitem. Época de cópula. “Êxtase no ato da cópula. É isso! Essa é a verdadeira essência e cerne de tudo, a meta e a finalidade de toda a existência”, aforismo de Schopenhauer. O macho depois que copula morre, e a fêmea depois que põe os ovos, idem. Filosofias levadas a sério. O barulho e o silêncio que emitem (silêncio também é música), servem para gracejar com seus pares, como também são indicadores de chuva (e não de tempestade).  No Sul do país cai o mundo sem precisar de qualquer inseto ou animal para anunciar, apenas com privilégio para os que nadam, já que mares são formados onde dantes não os havia. E o líquido que cai das árvores quando a sinfonia é emitida não é de prazer pelo canto ou pela relação firmada, é apenas um conforto íntimo sem conotações - se é que isso possa existir. Famílias acostumas à força das águas teimam em resistir, esse é o instinto mais primário de qualquer animal. Buscam energia no simbolismo que existe além das nuvens, no Ser que comanda o Universo, ou, inverso, nas pessoas que se desdobram em ajudar os próximos como a si próprios, e quem vê de fora esses atos bota fé na humanidade, a despeito de qualquer fim de mundo que qualquer criador possa planejar para suas crias. A descoberta de água em Marte pode ser o indício de que sempre vai existir um recomeço, mesmo na pior das hipóteses. Destruir florestas a esmo é um mal, antônimo de bem. A madeira gera instrumentos utilizáveis em vários âmbitos, isso é bom, antônimo de mau. Instrumentos musicais amenizam a vida, é o ‘Nó na Madeira’, né, João Nogueira?!: "A cigarra quando canta morre, e a madeira quando morre canta...". A caixa acústica de um instrumento de madeira pode simbolizar um caixão. Um cigarro para não pensar nisso não... Ou sim.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Mais uma primavera pediu passagem

   A quarta lua de sangue seguida banhou o solo de chuva. As nuvens que a encobriam prenunciavam a água que cairia. Algo cíclico, sabido de antemão, como as quatro estações do ano que se precedem continuadamente; como aniversários; como fenômenos aparentemente sem solução que a ciência busca explicar pela repetição do mesmo fato um sem-número de vezes, obtendo iguais resultados (há gravidade).

   A primavera pediu passagem como pede em todo setembro no Hemisfério Sul, junto ao equinócio, com americanos da parte de baixo do mapa instituído buscando seus lugares ao sol – ou à sombra dele. Mistérios com diferentes desdobramentos para povos de outras nações, religiões, “ões”. 'Nivers'. Signos. A própria língua é determinante com seus significantes e significados desde Sausurre. E quem mora no Japão não viu a Lua de Sangue como quem mora no Brasil. Óbvio. Não custa nada frisar o ângulo direcional que cada qual lança às diferentes verdades. Como a significância das luas, da época do nascimento ou das mais recentes de tom vermelho: Danger: Anúncio do fim do mundo; coincidência com datas Judaicas; recados interplanetários. Em tons mais amenos: a lógica da razão científica. Fenômenos mensuráveis tais quais os elementos que compõem esse planeta – planetinha ou planetão, como queira a entonação -, parte desse sistema solar, desse universo. Existem outros? É difícil ter profundidade em temas não tão conhecidos, e o não saber para muitos é sinônimo de medo. Pelo medo forja-se o discurso da dor em antagonismo ao amor, duas portas que teoricamente se abrem para patamares mais altos ou que fazem escorregar aos confins mais escuros.

   As guerras mais necessárias são aquelas travadas no íntimo, no dia a dia, longe das mãos de indústrias bélicas que só visam lucro, de países do Hemisfério Norte que se acham o centro do universo. Quem se incha muito estoura. É preciso encher o pulmão de ar ao ponto de poder voar até a ascensão que se quer.

   O Oriente Médio é um campo minado. ‘Primaveras Árabes’ (licença prosaica) fazem muitos seres sucumbirem. Primaveras alegres a quem busca o melhor para si e para os outros! Se auto-ajudar, de preferência sem livros de auto-ajuda, é o primeiro passo para escrever o nome em estórias reais, e, (por que não?), na História Universal, partindo do próprio universo (parodiando Tolstoi). Comemorando todas as passagens de primavera. Rígido vindo outro outubro.

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Anseios e ânsias

Anseios são como ânsias. Coisas que sobem em profusão descomunal do peito pra guela. E ninguém se esgueira. Não há queira ou não queira. O tilintar do coração fica acelerado. Nunca do passado. Quase sempre do futuro. Muitas vezes do agora. Os dois pontos que piscam no meio das horas e dos minutos no relógio digital são como uma metáfora a esses símbolos que precedem a fala - gramaticalmente falando -, no digitar de teclas analógicas ou digitais. E tal: O desejo de: Pronto para: A ideia é essa: É isso! Uma mistura que por ser insossa quer vir afora, à baila, ou, por ter assimilado tudo o quanto viera, por isso mesmo é uma transmutação dos nãos em sim. E tudo aquilo que virá a ser no momento estará sendo. Nunca o que fora. Nem sempre tudo que se joga fora é resto. Rostos cada vez mais flácidos pelas forças que regem o planeta. Dependendo da genética o tempo que leva para os fatores ponderáveis agirem muda. O fator tempo corre no espaço à velocidade da luz. Busca por vida em outros sistemas, o que só será possível com um esquema similar, planetas irmãos são como gêmeos univitelinos separados no nascimento. Mas a natureza é arredia, intransigente, inconsequente, às vezes, e não é garantido que o caminho percorrido aqui desde o primeiro estouro seja o mesmo lá. A regra não é tão clara, mas, onde há peitos e guelas há anseios e ânsias, com o sangue sendo bombeado pelas batidas do coração.

segunda-feira, 20 de julho de 2015

O Velho

Olhou o velho dentro do ônibus. Lembrou de Vanessa da Mata: "aquele velho pode ser eu". Uns 90 anos. Dias antes uma cigana havia lido sua mão e disse que a linha da vida ia até os 70.  "Não, não pode ser eu...". Dias antes havia lido Clarice Lispector, um conto onde a personagem dizia - pela autora, ou a autora pela personagem -, que cada vez que via alguém assumia um pouco daquela personalidade, da aura daquele ser. 

A mulher negra, flácida, de muitas carnes que passou em frente ao velho tinha uma camisa com estampa que fazia referência ao Black Power. Parecia professora. Ensinava algo pelo visual. Tinha muitas pastas e livros a mão, fora as coisas que devia ter na bolsa pendurada no ombro, estilo estojo-bag. 

O velho, com seu chapéu de pescador muito maior do que a cabeça, coçou o cabelo, provavelmente porque enxergou aquilo com seu olhar de catarata e não entendeu muito bem. Vinha de uma época antiga onde o preconceito era mais escancarado, contemporâneo da expressão:  "... Preto quando não * na entrada, * na saída...". E ainda pensava assim. Talvez se surpreendesse ao ver seu neto tendo aulas com uma mulher de cor que leva no peito o orgulho de sua afro-descendência. Condescendentes diriam que o velho não tem culpa por seu pensamento. Fora criado assim... 

A professora foi dar suas aulas. Ele, o senhor, desceu no próximo bar pra rabujar com seus escassos amigos sobreviventes a essa altura, ou foi pra casa olhar a foto da mulher que morrera há tempos e felicitá-la por não ter que passar por isso. Ou: antes de chegar ao bar ou ao retrato da 'sua velha' branca como um sulfite A4 - igual ele -, de olhos verdes esmeraldas faiscantes (diferentes dos dele que já estavam cinzas), trupica, cai, esborracha a boca e a dentadura que carregava um 'picadão' de fumaça acinzentada, deixando escorrer um sangue vermelho-escuro, quase negro, ficando claro que no fundo d'alma, na lama, no poço, no fim derradeiro, prestes a se tornar novamente pó, todos não passam de meros humanos, demasiados frágeis, e muitos buscam ser fortes querendo prevalecer sobre outros de alguma forma, consciente ou inconscientemente. Pelamor. Que seja pelo amor, e não pela dor.

Um futuro mais diverso na paleta de tonalidades dos sentidos para as crianças que verão a imagem estampada nas vestes da 'tia', 'fessora', e só depois de aprenderem a dar significados aos signos poderão entender que se colocar no lugar do outro é o primeiro passo para a tolerância, cedendo lugar aos mais velhos nos ônibus da vida - literais ou figurados -, fazendo um futuro melhor a cada hora, e qualquer um que olhe esses velhos no futuro irá se enxergar neles, já que essa premissa terá sido passada às gerações vindouras.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Caça

Inveja de quem se acha e de quem se perde; inveja de quem acha alguém e também de quem não consegue segurar esse alguém, ou seja, inferno astral, um puta dum pecado capital praticado diuturnamente. Ruim com, pior sem - ou o contrário. Parece que a vontade é sempre atravessar o rio e ver o que tem lá. E chegando lá, o desejo de voltar, e de lá, ele inveja os que ficaram cá (que para ele é lá visto de onde está), os que se encontraram (tanto uns e outros quanto outros com seus ‘eus’). Ele corria atrás dele mesmo, como se o vulto que virasse o beco fosse um seu alter-ego. E era. Mesmo o velho cheio de chagas e bolhas nas mãos que pedem esmola. Parecia que ele se perdia quando olhava nos olhos de quem quer que fosse. Enxergava o fosso daquela alma que no fundo era um pouco sua, como era, errante, e nisso via que até os que se acertavam tinham um pouco disso (dele): Erravam! Na verdade não havia o certo. Era momento. Timbre de sopro de vento. Choro de rebento arrebentando tímpanos intactos. Cores monocromáticas deixavam o futuro cinza. E mesmo o cão que uivava ao longe tinha um pouco da sua loucura. Melhor não olhar pra lua e na rua olhar pro chão, cabisbaixo como quem procura migalha de pão, bilhete premiado ou um mínimo vintém. Alvitres. Algumas vezes vinte primaveras. Idades de quimeras. Lumes de diamantes falsos. Cadafalsos. Percalços nos calos firmes. Moleza na carcaça que já foi dura. Mas continuava a caçar ele mesmo, no ele que já tinha sido, no que diziam que foi e era, naquele que corria em direção a dias claros. Se caçava. Mexia-se, pois o que via em seus dias ainda não era o que queria. Revirava os bolsos a procura de pistas, qualquer troço ou cacareco, objeto colocado ali por algum ele do além - do futuro ou do passado - que o quisesse ajudar. Só encontrava o mesmo de sempre. Mocorongo, seguia rumo ao próximo tombo e posterior levantar. Nunca levantara taça nem fora rei Momo. Quase um mongo olhando as estrelas mortas sem saber que eram. Perguntava: Eu sou você? Se perguntavam: Ele é você? Ele respondia: Eu sou você! Eu sou nós e todos os nós da minha vida estão emaranhados nas suas. Como um fone de ouvido guardado às pressas onde se embromavam o left e o right. All right! Tinha uma sabedoria popular. Fazia chás com as plantas que furtava em propriedades privadas. Procurava nunca se privar da luz do sol, mesmo sem proteção condizente com o tom de sua pele. Confere?

domingo, 24 de maio de 2015

Pontos finais que nunca terminam

O fim da linha é antes do ponto final. E quem lê a vida ao seu modo decide. Ponto final de linha de ônibus, sofregamente, no apinhado de gente, cheiros, odores, olores, histórias que têm seu valor íntimo, que talvez se perca no público, em púlpitos, ou pontos finais de linhas gramaticais, literalmente.

Como um homem de carnes fartas que bateu a moto e se estatelou no chão, e, depois do acontecido, o busão passou por ele sem nem tchum, seguindo o itinerário.  Quase simultaneamente à morte de milhares no Nepal. Enquanto as cinzas do vulcão do Chile coloriram de rosa o cair de tardes no interior do sudeste do Estado de São Paulo...

Uma engrenagem torta, torpe, onde cada vida vale muito ao avistar um pôr do sol e não vale nada quando surgem desastres. A humanidade vai junto. E fica.

Hipocrisia é tampar o sol com a peneira, como se os raios do Astro-rei não pudessem atravessar as nuvens cinzas, clareando a situação, expondo o encoberto, dando luz ao que não tinha bom tom, ou dando sobrevida ao que já era vivaz.

Descobre-se o descoberto. Opiniões a torto e a direto, de esquerdistas direitos e direitistas tortos demonstram o desejo que todos têm ainda hoje de ‘descobrir o Brasil’, como quando alguém diz o óbvio. Ululante. Morre-se tanto aqui quanto acolá, é inerente, pungente, latente, cada pulsar de novo dia é o início do sepultamento dele mesmo. A esmo. Mesmo em Londres, onde as cores são soturnas e a Rainha tenta aliar a presença de espírito à fenomenologia de expressão da matéria física.  

Não é motivo pra encostar num poste e se prostrar. É um valorizar que nenhuma casa da moeda ou bolsa de valores pode mensurar ou fazer oscilar. Tem que ser sempre válido. Na subida íngreme ou na descida tal qual. Ponto final? Fim? Nada disso. Tudo isso. Isso. Enquanto não se encontra.

terça-feira, 14 de abril de 2015

A mente abriu em abril?

A mente abriu em abril? Mentiras do dia 1°. Verdades encobertas ou direcionadas, pelos que comemoraram no dia 7. Libero Badaró. Queda de D. Pedro I. Semanas de sete dias sem nenhum de descanso. Para quem a vida dá trabalho é assim. Sete mais sete catorze ou quatorze. Quase metade de um mês. E o que cê fez? Alguns planos são como submarinos, feitos para afundar. Enquanto isso quem nem precisa planejar nada - pois já tem os burros amarrados à sombra -, traça mal o plano de voo e cai. Coisas do Brasil, Arantes? Paulinho responderia: "Coisas do mundo, minha nêga...". Nesse caso, desde que o mundo é mundo visto de cima pelo primeiro helicóptero. Antes dirigível, ou 14 Bis. Irmãos americanos se reviram no túmulo pelo crédito do primeiro voo. "Deixa alguma coisa pá nóis, yankee...". Na hora de subir na vida, é como optar por escada ao invés de elevador - ou vice-versa: O próximo andar é só o próximo. Escolhendo qualquer outro que não seja ele (qualquer um dos próximos) o próximo estará incluído, ou seja, nem porque exclui é excluído. Complexo. Como um arranha-céu. 

E o Mano foi abordado. Uns manos são abordados todos os dias da mesma forma abrupta ou até pior. Mas esse tem o sobrenome do Pai do Funk, os outros são apenas marrons. Pagou. Saiu. Aqueles pagam, saem, e continuam recebendo olhos tortos por onde passam, por terem passado um tempo quitando suas dívidas com a sociedade dentro dos muros do sistema prisional. E ainda querem que entrem cada vez mais cedo lá... São muitos os filhos sem pais e sem paz.

Errar é humano, mas Ed insiste tanto em falar o que quer que já devia estar acostumado a ouvir o que não quer. Um talento musical indubitável, mas às vezes deveria ter o mesmo apuro e técnica conquistados com ensaio quando abre a boca para cantar, ao falar. Muitos que nem o conhecem aproveitaram o espaço para dizer que ele só tem papo (de várias formas pejorativas). Durma-se com um barulho desse! Todos dançam. O pedido de desculpas veio às pressas, como um duelo de instrumentistas de jazz, um desafiando o outro e o outro querendo fazer mais bonito (ou nesse caso mais feio) que o um.

A verdade é que metade de um mês se aproxima hora a hora e o relógio demarca o tempo impunemente. Para quem atrasa mais do que os 15 minutos permitidos pelos nativos habituais, cada 'tic' no ponteiro é um 'tac' da sola que corre para querer pegar menos chuva de perdigotos do patrão ao chegar. Ou não. A ciência já comprovou que quem anda se molha do mesmo jeito. E de jeito em jeito, quem está na selva tem que se virar. Se fosse só um Leão por dia estava bom! E não é síndrome do latino que se vitimiza: É o descaso histórico com quem vive na instituída parte de baixo do mapa, de todos os mapas imagináveis, lutando no dia a dia ou para ter progresso, 'pela órde', sem esquecer dos seus, ou para fazer parte da parte de cima que o poder instituído conclama (porque acha que lá é muito melhor que aqui). "Por que lá, e não aqui?".

Como bem disse Noel (que morreu aos 27 sem contrariar estatísticas nem ser papai): "tudo aquilo que o malandro pronuncia com voz macia, é brasileiro, já passou de português".

Paro por aqui, ou só 'dou um tempo'!

terça-feira, 17 de março de 2015

Mote

Mote: Morte? Marte? Os que se vão não precisam mais disso. Os que vierem quando começar a colonização do planeta vermelho serão marcianos. Comentou Sheldon. Xanadu continua sendo queimado pelos proferires de novos Kanes. E os cidadãos seguem a programação. Costume difícil de ser tirado. Vício. Mania. Mãos calejadas que sonham em ser macias no horário nobre. Nobres que continuam com as mãos macias de geração a geração enquanto os filhos das mães de mãos rudes começam a ter um vislumbre com cotas que são paliativos para o tempo de uma cota que seus antepassados não tiveram, na lida, na luta, sem tempo para bater lata nem panelas. Nelas, só o suficiente para cada dia, às vezes até aturando a barriga a roncar vazia, noutras – sempre – se apertando em latas de sardinha fungando em costas que cheiram mofo e perfume vencido. “Se soubesse o que seria não teria nem saído...”. De casa? Da placenta? Depois que veio, fio, é manter o lombo forte pra aguentar o que vier e não ser chamado de vadio! Arredios não podem se dar ao luxo de se alcunharem depressivos, cleptomaníacos, nem anêmicos. A barriga está saliente? É verme! Não podem se dar aos luxos. Às vezes se dão por conta própria e são presos. E haja prisão de ventre “para não ficar com a bunda exposta na janela” do quadrilátero. Gonzaga Jr. só cantaria “É...”. E juniores sonham em enriquecer chutando pelota. Doces feitos às pressas ficam empelotados. Se nascesse em Pelotas seria diferente? Provavelmente não. As linhas do destino nas palmas seriam as mesmas. Até mesmo em Palmas. Existe a dicotomia entre o exercício físico e o do intelecto. O músculo da perna que faz um cruzamento não é o mesmo que traça a teoria do universo, até porque Stephen já não tem nenhum movimento em seus membros inferiores. Mas um jogador de fama tem a conta bancária infinitamente superior a de um pensador. Certo, Dr.? ‘Pelamor...’. Só pelo amor que a dor pode ser menor. Sei que tenho parentes no Norte. O máximo mote é ter um norte.

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Branco

Branco. Folha em branco. Tela em branco. Tanto em branco para o novo ano que dá até branco na hora de listar tudo que é planejado na intenção de completar os dias vindouros – em branco – com as melhores tintas coloridas que puder encontrar. Na verdade as fontes precisam ser pré-escolhidas e não adquiridas a esmo, mas também não se pode descartar tons que aparecem onde menos se espera. O ‘se’ entra em meio a muitas frases. Como o ‘mas’. ‘Mas-se’ é assim que tem que ser, assim será! Só que não! Janeiro passou em branco. A postagem que iria, não foi, muita coisa que iria, não foi, e muita gente que se quer cogitava que pudesse ir, foi dessa para melhor ou pior ou nenhuma, sem mais nem menos, sem nem enxergar a luz branca no fim do túnel antes de se fixar no derradeiro branco, que antecede o preto total. E ai, no primeiro dia do segundo mês, surge o computar do que foi preenchido nos trinta dias em branco de um novo ano que ficaram para trás, se houve cores, ou foram nebulosos, ou só preto-no-branco, na rotina de assistir telejornais matinais antes de sair para o trabalho e telenovelas nas noites, antes, durante ou depois da janta. “Anta que manca balançando as ancas”. E figuras de linguagem serão sempre subterfúgios, como computadores. Em programação, quando a intenção é usar e abusar dos mecanismos do sistema binário, se tornando o Sr. dos comandos, a tela pode ser preta, e as letras que preenchem o espaço são cinzas ou verdes. Isso só vem ao mundo agora porque antes, muito branco prevalecia após o cursor...