quinta-feira, 30 de junho de 2016

Diário de Junho

Em algum lugar, 30 de junho de 2016.


Olá, meu nome é Junho!


Meus parentes que moram em Recife, Pernambuco, vieram me visitar. De tanto eles me chamarem desse jeito, incorporei. Junho é uma variação do meu nome, na verdade me chamo Júnior. Minha família me chama de Juninho. Não é nada depreciativo, é apenas uma alcunha carinhosa.

Bem. Apesar do diminutivo (grau do substantivo que representa forma menor do que a palavra normal) “inho”, minha estatura é mediana. Não estou de Lero-Lero. Nasci no mês 06. Tenho onze irmãos. Sou o do meio. Apesar de todos em casa serem muito barulhentos, sempre preferi a quietude ao estardalhaço. Leitura e escrita vieram a calhar nesse meu modo, meu ponto de vista.

Nunca fiz "coisas de sarapantar", mas quando pus os olhos em Macunaíma senti identificação porque ele ficou até mais de seis anos de idade sem falar. Igual eu. Todos se espantavam. Meus irmãos mais velhos nunca entenderam bem e por isso sempre fui alvo de beliscões, croques e demais inconveniências. Fui aporrinhado pacas.

Muitos me julgam frio. Dizem que estou “em outra estação”. E estou. The winter is here!

Escrevo meus diários em cadernos de 30 páginas. Quando releio, vejo coisas reais que parecem inventadas e, se já passou muito tempo do fato ocorrido, não sei precisar até que ponto a memória não gerou uma ficcionalidade daquilo.

Nesse meu mês li Divórcio, de Ricardo Lísias, e vi a mestria em entremear realidade e ficção, causando dúvida e comoção na maioria dos leitores. Inspirado no diário da mulher da personagem Ricardo Lísias, fiz o meu. Talvez eu mesmo seja uma personagem inventada, ideia que o meu criador chupinhou de alguém, recriando e transformando. Também terminei de ler Passageiro do Fim do Dia, de Rubens Figueiredo, que descreve tão bem situações e personagens que fica até difícil acreditar que é tudo invenção. A periferia (o Tirol), a evolução das espécies, uma viagem de ônibus, a luta de classes.

A ideia vaga que tinha dos meus parentes de Recife era a de que eles viviam pior do que nós aqui no Sudeste: comiam mal, andavam agachados com o torpor de quem toma lapada no lombo incessantemente e sem dó, a respiração sôfrega de quem suga o ar rarefeito. Mas não. Vieram altivos, imponentes, impositivos, cheios de “ãos” em seus nomes, gigantes que olham formigas. Trouxeram um sotaque incólume, vivo, musical, com muitas nuances nos tons de quem gosta das variantes linguísticas.

Encontrei com eles em dois concursos literários: no Prêmio SESC de Literatura e no Prêmio Off Flip. O primeiro dava a publicação por grande editora, a Record, o segundo premiava em dinheiro os três primeiros colocados e ainda concedia a estádia em Paraty durante a Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) — com sarau e cerimônia de premiação na mesma. Escrevo no tempo passado, pois já estão nele os dois prêmios, e não fui agraciado em nenhum: “fica pra próxima Junho, Juninho, não desiste não, dom”. Meus parentes de Recife, em Pernambuco, vieram aqui e paparam tudo. Deve existir alguma fórmula pernambucana de fazer Literatura.

Emburro. Calo. Eles esfregam os prêmios na minha cara e me dão croques e beliscões. Chamam-me de Junho e riem, riem, com impostação na embocadura.

Fico frio. Meu nome é Junho, e estou indo embora.