Adquiriu com o tempo um costume
diferente. Abria as tampas de garrafas com o dedão e a parte da palma da mão
que fica logo após o mindinho. Isso ocasionou um calo. Não sabe ao certo quando
começou. A pele da palma, muito fina, sendo forçada dessa forma foi ficando
mais dura que o restante. A casca do calo quando passava por extensa exposição
à água ficava mole. Isso ocorria após a lavagem de roupas ou de louças, ou
depois de um longo tempo no mar ou na piscina. Quando chegava em casa, a pele
daquele lugar estava diferente, branca, muito mais branca que a pele branca da palma
da mão. Era como uma bolha estourada. Seu prazer era retirar aquela pele - como
se fosse uma parte morta do corpo -, e jogá-la ao léu. Ia com o vento. Caia num
bueiro. Assemelhava-se ao ato de jogar cinzas de pessoas ao mar. Mas não era.
Ou era quase. A pele arrancada ficava cinza, e caia no esgoto para ficar preta,
marrom, aquela cor de excrementos (se é que há uma cor predominante). O local
do buraco ficava rosado. Daí em diante era o tempo da regeneração da pele, que
podia variar. Algo que ele não dominava. Que acontecia sem a sua interferência,
o mesmo que aconteceria com aquela sua parte do corpo que fora desfeita e
jogada a esmo. Aquilo que não era mais seu era do mundo, da terra, ou da Terra
como um todo. Começara a devolver tudo que usufruiu do planeta antes mesmo da
morte. Era um pagamento parcelado. E se perguntava: “a pele morta viveria de
alguma outra forma?”, e “os mortos reviveriam de certa forma com o usufruto que
a terra daria aos seus restos?”.
Com o dedão da mão esquerda coçava o
buraco deixado pelo calo que se foi da mão direita. Tinha duas mãos. E quem não,
como faria? Cada caso é um. Tinha duas. Por isso podia fazer o que fazia e
qualquer outra coisa.
Lavava. Não como Pilatos. Era mais um ato
de expurgar sujeira. Será que não estaria mais protegido com a formação de
anticorpos ou uma carga de poeira? Olhava as estrelas. A vida era sonho.
E a promoção das tampas de garrafa
concedia prêmios. Bastava abri-las, beber o conteúdo ou poluir o solo jogando
nele aquele líquido cheio de gás. A repetição aperfeiçoa e cria calos. É isso.
Cláp! Cláp! Cláp! Alguém bate na porta da frente. Mão na maçaneta para abrir. O que vier é lucro. Ou pode ser alguma cobrança. Para. Engole um soluço, se cala. E com o dedão coça o calo.