A
quarta-feira de cinzas amanheceu cinza, o tempo condizendo com o dia. Isso viu
quem acordou cedo, antes do sol nascer. Olhando por esse lado, a quarta-feira
de cinzas amanheceu negra, antes de o sol nascer, como todas as quartas-feiras
do ano, nada de diferente nisso. Um tom de cinza, cinza, é algo raro hoje em
dia, já que quase tudo que é natural se perde nas nuvens da superficialidade.
Um tom de negro, negro, cada vez mais é valorizado, vide o desfile da campeã
moral do carnaval do Rio de Janeiro, a Paraíso do Tuiuti, mas, ao mesmo tempo,
é preciso desvelar com velas a todos os santos, aquilo que continua incrustado,
velado na população branca, branca, (como a Húngara mulher de José Costa, em Budapeste,
de Chico Buarque).
Desaforos
vindos de crustáceos do mar molambento. Mambembe. Cigano. Quem pulou, pulou,
esperneou-se com gosto, como pode, vestindo a fantasia dos sonhos ou a fantasia
do seu eu verdadeiro (ou a fantasia que deu pra ter na crise): "mas é carnaval, não me diga mais quem é você, amanhã tudo volta ao normal, deixa a festa acabar, deixa o barco correr, deixa o dia raiar...". Só não vale ter
crise de identidade na volta à rotina.
Quando
se vem de um fim de semana onde o carnaval caiu na terça e o feriado foi
prolongado — sem ser possível na quarta de cinzas o expediente começar às 12h,
pegando no batente em horário comercial —, a impressão que se tem é a de uma
segunda-feira ao quadrado. Assim sendo, mesmo os mais quadrados, — aqueles que
não saíram para blocos, bailes, desfiles, não vestiram abadas, roupas coloridas,
ou se despiram o mais que puderam —, sentem o baque.
Natural.
Como o sol. Como a sequência de dias e de meses. E assim segue o ano. 2018,
depois de Cristo. Um colonizador português caricato diria: “Ai, Jesus...”.
Fevereiro terminando numa quarta, cinza, enegrecendo ao cair da noite. As
permissões dos cinquenta tons correram soltas. “Sem... Or...”. E que venha o
parça março. De percalço em percalço, sobressalto em sobressalto, continuamos;
com a cabeça em riste, olhando para o alto, buscando a luz, mesmo em dias acinzentados.