Missiva
Velha de Ano Novo, 31 de janeiro de 2018
Desatarefado (a) leitor (a)
Olá! Como vai?! Espero que essa lhe encontre bem. Se até
aqui chegou é motivo de lisonja para mim, pois em meio ao imenso mar de
informações, canções, vídeos — de tudo um quanto queira que paire na rede —,
insististe e clicaste no link que apareceste perante vós. Sim. Comunico-me
desse modo retrógrado. Não. Não me tenha ojeriza. É que nessa pequena quase
extinta cidade onde habito (Missiva Velha de Ano Novo), que quase não figura
mais nos cabeçalhos dos imberbes em colégio, este é o modo de ser contumaz.
Uma
carta em blog soa como carta fake, tal qual as fake news que nos circundam? Um
tema que deve nos deixar circunspectos pensando sobre o que se irá escrever,
opinar, compartilhar. Opinião sobre tudo? Desde 1930, ou desde sempre, tem-se os sabidões...
Lendo
o livro de Cartas de Graciliano Ramos (de 1930, ora veja) voltei a matutar nas especificidades
desse gênero de escrita que, também, por coincidência do destino, é tema de um
texto em que venho trabalhando (quando sobra tempo além do trabalho do dia a
dia). Tempo: o tempo que leva para escrever (a meditação e posterior
transcrição quase mediúnica diante da folha em branco, porque se for
premeditado haverá breques e a caneta não deslanchará)... O envio... A resposta
(caso venha). O fator tempo! O espaço de uma A4! Trabalharei melhor o tema
naquele texto citado acima quando o tempo e a iluminação das clarividências me
deixarem gastar esse valor sagrado na modernidade — horas passam rápido quando
palavras vão ao longe desembestadas.
Já
Drummond — mesmo antes de ser/estar monumento sentado, com todo o tempo do
mundo, e todos os óculos da cara (quando não o surrupiam) —, matutava na carta
ideal que teria que ser escrita, mas nunca era, o que está relatado em O HOMEM QUE FAZIA CHOVER & outras histórias de Carlos Drummond de Andrade,
na crônica ‘Projeto de carta’, pág. 63. Uma carta com 63 páginas seria um
romance, ou um livro de cartas... Digo isto apenas para não perder o ensejo da
temática, o fio das palavras... Perdoe-me se caio em repetições desnecessárias.
Ou, descarte-as.
Em
tempos de mensagens instantâneas uma não visualização já causa alvoroço. Tudo
precisa ser respondido na hora, no talo, na lata, exigindo grande poder de
revide, de retórica a pobres plebeus que não foram agraciados por Zeus com essa
característica, não tendo o dom, e nem querendo se esforçar para tanto.
O
poeta que fita todos na calçada de Copacabana, impávido, era taciturno por
natureza, de poucas palavras faladas. Em uma de suas crônicas dizia querer ter
o poder de ‘chegar ao outro’, o que era difícil para ele. Ao passo, escrevia
cartas sem-número para inúmeros leitores e/ou escritores, trocando
experiências, dando conselhos; chegava e chega aos ‘outros’ tantos que o leem
ontem/hoje/sempre de forma magistral. Um comunicador descomunal, impávido, que
para voar nas palavras escritas necessitava não dar um pio.
Quem
sempre fala o que vem à cabeça muitas vezes se esquece de preencher o oco da
cachola.
Bem.
Vou ficando por aqui. Espero sua resposta. Leve o tempo que precisar. Ou se achar melhor não
responda, cale, consinta. Sentirei, mas cada um dá o seu sentido naquilo que
recebe.
Ainda
no dia 31... Chega tão velha como o mês que já se vai...
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