segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Na Revistaria de uma Livraria. Cap. 6

7 de janeiro – quinta – 10h10 Dia atípico. Acordo no meu horário. Hoje, mesmo chovendo, vou para São Paulo participar de um evento da distribuidora DINAP. Por isso não fui trabalhar como o habitual. Também por isso, ontem, mesmo chovendo, sai para tomar uns goles de loira e dar uma relaxada já que não precisaria acordar cedo. Não consegui vencer o vermelho dos olhos mesmo dormindo mais, talvez por ter bebido mais.
Ia começar a digitar o texto hoje só que acordei tarde. Termino o café e ligo para os dois dentistas que tenho em vista já que preciso tirar quatro dentes para consertar a mordida. Não consigo falar com nenhum deles. Vou à internet apurar as mudanças de ontem pra hoje: Não muita coisa ou eu que não sei pesquisar sobre mudanças. Da próxima vez digito no google. Acho sim o e-book de Fernando Sabino “O Encontro Marcado”; começo a ler e engreno (e olha que não sou adepto da leitura na tela). Mesmo assim, cesso a sessão com tempo para almoçar e arrumar a mochila: carteira, livro, revista, m.p.3, fone de ouvido, celular, cigarros: Pronto!
Chego na rodoviária de Campinas faltando 20min para a saída do ônibus que vai ser 17hs. Compro a passagem e vou matar o tempo. Pra variar um pouco, passo na revistaria. Lá, um tiozinho grisalho com uma prancheta faz o encalhe. Os títulos conheço todos e às vezes fico igual quem sempre pergunta se não tem revista nova. Pra gente que tá ali todo dia, as mensais principalmente, começam a parecer antigas, dando impressão de serem perdidas, mas o caso é que a medida do tempo fica meio alterada. Das revistas vou para os livros tentando forjar um encontro com Sabino, se tiver o que eu comecei a ler hoje, já levo agora e vou lendo. Não tem. Vou comprar com desconto para vendedor.
Sigo. O meu assento é na janela e a minha frente tem uma gata. Quero dizer que ela é cinco estrelas como a tatuagem que tem nas costas do pescoço mas, como atende ao telefone várias vezes, penso que o namorado/amante/ficante (já que não tem aliança), deve estar esperando.
Pela Bandeirantes o ritmo é intenso e da impressão de a distância ser igual Campinas-Hortolândia. Nas paisagens verdes, nas árvores imensas que lembram pinheiros, as cúpulas parecem ter sido moldadas por seres Avatares.
Olhando as casas, as pessoas, enquanto o ônibus passa, vejo a vida de todos os dias de todos, enquanto o meu é diferente.
Às 18hs a embarcação se acopla na marginal Tietê. A impressão de ponto de chegada logo acaba no engarrafamento. Ficamos 1h para chegar no Terminal Rodoviário Tietê-Portuguesa. Eu tenho que pegar uma vã fretada na estação Vila Madalena no máximo às 19h30. Acho que vai dar. Quando entro no metrô e vejo que terei que descer na estação Paraíso que dá acesso a linha verde, já começo a duvidar. Depois, pegando a linha verde, vejo que tem mais umas oito estações até a minha. Desacredito de todo.
Chego no ponto X da vã fretada com + N minutos de atraso. Espero e ninguém aparece. Próximo, há uma banca de revistas. Pergunto se o atendente trabalha com a DINAP e se não tem o telefone de contato deles. Ele me passa dois. Um não pode atender e o outro é inexistente. Ligo para a livraria na intenção de falar com o gerente. Indico para atendente que ele me retorne. Ai lembro que tenho o endereço do local e como tenho boca, vou a Vila Leopoldina. Além do mais, ninguém me retorna.
Pergunto a três, quatro para não ter erro; caso houvesse quatro opções dadas, perguntaria a mais três, mas os dedos são todos apontados para a mesma direção, como quem denuncia um delator: Atrasado!
Pego o circular e começa a confusão entre Avenida Leopoldina e Vila Leopoldina; no mapa das ruas em que passa, na parede da condução, consta uma Avenida Jaguaré, e eu querendo ir na Rua Jaguaré Mirim.
O motorista diz que sabe, acontece que tem uns tiques que me deixam nervoso. Sento na frente como a assegurar que ele não irá esquecer de me avisar (ou esquecer quem era/ dá umas viradas bruscas de cabeça/ estala os beiços/ pisca diferente/ se balança no assento); só respiro melhor quando vejo a placa: Vila Leopoldina. Mais 30min chego no meu destino, um pouco depois dos demais, provavelmente descabelado, depois de ter andado um bom pedaço em ritmo rápido. O meu nome está na lista, então a loirinha com cara de modelo anêmica e voz metálica me deixa entrar. Dentro, quero sair: Não conheço absolutamente ninguém. A festa esta boa, do bom e do melhor, de comer e de beber, para todos os gostos. D.jays e uma banda ao vivo (apesar de o baterista atravessar um pouco). Peço um copo de cerveja e tento me ambientar. Falo com alguns que conheci na abertura do RALLY DE VENDAS (como foi chamada a disputa). Sento numa mesa junto com eles.
21h30, na mesa, alguns superiores da Abril, alguns vendedores da rede de livrarias da loja que fica na Avenida Paulista, muitos vencedores e ganhadores de prêmios que atingiram as metas de vendas estipuladas. Nós interioranos alcançamos o faturamento proposto um mês então, cada um leva um mini-system pra casa. Nas outras mesas, pessoas de outras livrarias de rede, em suma, todos da capital. Conheço a gerente de compras que parece mais simpática do que a voz no telefone, e me foi apresentando mesa por mesa, como um objeto de estudos, uma espécie em extinção: “Ele veio de Campinas”; e a resposta: “Ohhh!”; e a emenda: “Chegou agora!”; “Ohhh!”. Assim passo por todas as mesas e volto para a que estava. Chegando depois, sem conhecer ninguém, pareço um típico caipira interiorano, penso, não sei se pensam. Sei que chego mudo e saio calado. Mas olho...
... Tem uma garota, morena, cabelo preto, rosto expressivo, olhar com atitude, voz impostada de quem sabe o que fala, não deixando de ser doce, suave, estilo alternativo de se vestir, uma tatuagem do lado de dentro de ambos os braços, perto da veia, se não me engano no esquerdo uma cruz e no direito um tribal. Me encantei, mas, está ao lado de outros dois caras que trabalham com ela; o imediato do lado, pinta de roqueiro descolado, se ainda não tiveram um lance, tem chance, caso aquele anel de adorno que ela tem não seja de compromisso.
Às 22h10 pego a minha lembrança e embarco no caminho inverso do que vim, dessa vez com a perua fretada (não teria como perdê-la). Não sei bem porque chego na rodoviária 23h10. O ônibus sai 23h20. Antes, no metrô, vi a família de Americanos ou Suecos ou Holandeses e fiquei pensando o que será que pensam de nós... no transporte subterrâneo ninguém olha pra ninguém, mas eles olhavam... Quando deu microfonia no alto falante na hora que o motornista anunciava a próxima estação, com certeza pensaram: “Só no terceiro mundo acontece isso. Que paisinho horrível”. Também penso que os engenheiros que fizeram o projeto do metrô de São Paulo ao andarem nesse transporte devem se regozijar, ou já morreram, ou justamente o contrário: São felizes por não precisarem.

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