domingo, 24 de abril de 2011

Passagens

Pela segunda vez paguei R$ 2,85 pela passagem de ônibus, mas não passei pela roleta. Dei uma nota de dez e o cobrador me devolveu o troco e solicitou que eu sentasse na frente e descesse por ali mesmo, dando um toque no motorista. O dinheiro do café, ou da pinga, foi para o caixa, e pela segunda vez fico na dúvida se estou agindo da forma certa ou não.

Primeiro que é um absurdo o preço exorbitante da condução. Dependendo da distância que se irá percorrer, até compensa sair um pouco antes, ou chegar um pouco depois pra economizar, e não ser roubado, porque na rua você corre o risco do assalto, já no ônibus é certeza.

Um segundo ponto – sem placas dos itinerários -, é que os trabalhadores, os que guiam os ‘carros’ como eles próprios dizem, e os que cobram o pedágio frente às roletas, não têm lucro em cima das passagens. Peões que só se diferenciam por não estarem em pé, debaixo do sol. Alguém pagando e não passando, e o dinheiro indo para o bolso falso da camisa azul (que poderia ser de porteiro), é uma forma de burlar o sistema!?

Fica o peso dos olhares dos outros passageiros, os pensamentos nos olhos fuzilantes “hum..., vocês estão dando um jeitinho... depois não vão querer reclamar de Sarneys, Tiriricas, Bolsonaros da vida...”.

Não cabe briga só para ter o gosto de passar pro lado de lá. São as conivências de aceitar o que nos dizem sem indagar, tanto depois de votar, quanto na hora de passar. ‘Por favor, pode abrir a da frente pra mim?’. Eu desço aqui. 

sábado, 16 de abril de 2011

Crônica de um presente anunciado

Tinha tudo a ver – se é que ela já não tivesse visto, e ouvido – com sua volta da Itália.

Quando vi na banca de jornal o último volume dos vinte da coleção do Chico Buarque ‘Chico Buarque e Ennio Morricone, sucessos do compositor brasileiro cantados em italiano, com arranjos do maestro’, pensei que era na mosca: um gosto da língua de lá com as vivências das músicas daqui.

Se não me engano ela já até tinha me mostrado alguma coisa do tipo. Na época não levei muito em consideração. Nós, consideramos muito o autor de ‘Construção’, ‘Roda Viva’, como todos das Terras de Vera Cruz. Inclusive até já apresentamos espetáculos músico-teatrais do mesmo. E não tem jeito: é unanimidade que ele sabe falar da mulher e para mulher como nenhum outro consegue. A apresentação inspirada no sexo feminino que nunca foi frágil, era pautada em diretrizes quais esboços de novas canções do mestre. Tinha poesia, tinha melodia, tinha sentimento. Tem. Eu até ousei compor algo que mostrasse a minha visão sobre o assunto (vulgo lado oposto, mas que sempre tem que estar junto, do lado e não atrás de um grande...); com certeza não cheguei nem perto.

Chico – para os íntimos e muitas íntimas suponho – cresceu rodeado de mulheres. Claramente isso foi um fator determinante. Não só. A sensibilidade também conta. Canta.

Ela foi pra Europa, pro país quatro vezes campeão mundial, a terra da pizza como é conhecida popularmente. Lá, teve vivências artísticas e pessoais que nunca teria por cá, país da pizza, piada pronta.

O tempo e o espaço geográfico separaram um pouco nossos ensejos. Quando soube da volta dela, e vi o encarte robusto, cheio de informações pertinentes e fotos, resolvi comprar para presentear. Na verdade, um pouco depois, e, se tratando de coleção, os vorazes consumidores já haviam retirado todo o estoque das ruas. Encomendei.

Ela pisou em solo tupiniquim novamente. A encomenda não veio. Por coincidência, um tempo depois já era data de seu aniversário dela. Pronto: Vai ser o presente! Não foi. Não veio.

Agora, passados alguns meses, chegou, e entrego para ela, você, esperando que venha em boa hora, relembrando as venturas passadas no exterior, fixando nosso relacionamento interior, de amizade que muitos só vêm, e a gente também escuta. 

domingo, 3 de abril de 2011

Desconstruindo o descrever de uma parede

Essa parede não é somente uma parede. Pode significar muito mais, dependendo do modo que a percebem.

Uma parede é uma separação de territórios. Também pode significar o desejo de alguém se isolar por querer; ou a vontade de quebrar essa divisão, por aquele que é confinado por opção, imposta por tijolos, areia, pedras, cimento, e ir ter com outros seres de carne e osso. Agora, vendo por esse lado – da parede – me pergunto se um muro é uma parede, tal qual o muro de Berlim, muralha da China, exemplos de paredes que representam muitas coisas além do material rijo: um sentimento maleável formado ao longo dos anos por motivos variáveis.

Um super-homem pode enxergar através delas. Ultrapassar o limite do estabelecido, do possível e do impossível, pode ser a intenção de quem se concentra, olhando fixo, meditando, tentando forjar fissuras na massa espessa, quando ainda consegue delimitar realidade e sonho. Quando não, inconscientemente se propôs um patamar inalcançável, sendo o trato consigo mesmo só sair da clausura ao atingir o que havia estabelecido como meta, e não conseguindo, o seu novo mundo, onde pode delimitar as situações das matérias humanas como em tubo de ensaio de química, serão as paredes do quadrado em que reside.

Entre quatro paredes é que homens e mulheres realmente se conhecem, a si próprios e aos parceiros, quando o desejo é se doar ao máximo e compartilhar dessa vivência nessa esfera particular.

A escrita surge individualmente. Um agregado de múltiplos é base para que se construa algo, como plantas de arquitetos, trilhas de palavras.

Não é só colocar um tijolo após o outro. É sentir neles suas particularidades. Para chegarem até a construção, por mais que estivessem juntos no monte, vários caminhos foram seguidos. As marcas ficam. Devem ser levadas em conta na hora de desconstruir o descrever de uma parede.