sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Intermitências, malemolências e preguiças


Imagem: Projetado pelo Freepik

O pouco que tenho é isso: arco-íris cinza em terras de chuvas multicoloridas. Brindes com taças quebradas onde só sobrou um pouco de vidro além do lugar em que se segura com dedos melindrosos, e o mais grosso lábio em encostar fino dará hemoglobina às uvas que em vidas passadas foram pisadas em sacrílego sacerdócio do ofício.

As lajes encharcadas das casas apinhadas em planícies irregulares não impedirão que ninguém desça para a rua plana, plenos, e nem deveriam. Sugar e aspergir-se para o regozijo, lavar-se a alma em auto-benzimento, como um ritual de preparo para os próximos pulos. Buzinas, caixas acústicas e vozes em altos decibéis trarão zumbido ao dormir no dia claro — recostando a cabeça em travesseiro de nuvens —, depois de várias noites ‘zumbizando’, empertigados com substâncias que dão sobrevida à vida que quer pulsar o seu máximo no agora. Ora, ora. Durma-se com um barulho desses!

Lança-perfumes agregados a suores pastosos. Milho, arroz e malte em metamorfose de genéticas fortes. Antes de tudo, sagrados. Águas bentas forjadas nas pedras. Arraigaram-se. Seres que se inexistem sós. A expressão pela comunhão. O ato cívico de participação. A união das partes no todo. “Bobo, besta”, é quem não coaduna nesta fresta. Há quem ouça gritos vindos das vísceras, quem saia no vácuo de qualquer solicitação, quem converse consigo no cerebelo e quem gaste voz de si para si. Outros se comunicam com a quantia de sentenças possíveis encaixadas na máquina dura dos vocábulos, com ou sem a precaução de engraxar roscas e parafusos da sintaxe. Gritos ocos se tornam ecos invisíveis a olhos vestidos e corpos nus.

Terceiro olho que não vê. Cu. O chacra de todo xucro. “Se chapa não tem dono”, diz a lenda. Danger a altos teores. Teoremas abolidos. Chapas são xarás. Parças de uniforme do Barça. Fantasias à revelia. “Sorria e não mije na fachada, pois está sendo filmada a sua malcriação!”. Quantas bocas beijadas? Um sem-número...

Dias de folia, horas de soltar a mão do acabrunhado pouco que se tem num regresso ao bonde que segue em frente, na consagração de um céu embebido em cores. Sal, sol, temperados com sorrisos insossos, banguelas.

O pouco que se tem em fevereiro é o pouco que se dá. Mês de poucos dias, sempre. Carnais avais. Lambujas. Uma força. Não devemos nos abdicar de nossos poderes, mas utilizá-los com parcimônia, com sobriedade, para não exagerarmos a dose de influência nos atinos que escorreram pelos espaços entre paralelepípedos. A rosa do âmago desabrochará girassol, e vencerá intempéries até se encharcada por caldo que escorregue de regador de plástico firme, rígido, militar. Intermitências, malemolências e preguiças.

"Carnaval, desengano... Deixei a dor em casa me esperando...".

4 comentários:

  1. Poético, poético e poético. Muita ginástica mental de ambos os lados. Diferente, e por isso interessante e por isso ainda seleto (o estilo)... Apropriado (conteúdo).

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    1. Obrigado pelas palavras, pelo incentivo. É sempre bom saber que tem alguém que lê e que se identifica, e que mesmo uma prosa poética e até malabarística dos raciocínios remontados, chega-se ao outro lado.

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    2. Valeu, Brad! Ainda estamos aí!

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