domingo, 29 de maio de 2011

Quando o voto vira vaia

Sempre há pedras no caminho que machucam dentro do sapato, como calos, ou fisgada no calcanhar. E agora Dr.? É a pergunta que fica no ar da clínica.

Na mesma quantidade dos muitos que madrugam na fila do SUS, acumulam-se aos montes os que querem justiça, pois a ferida ficou aberta; não houve esparadrapo que tapasse o buraco nas botinas.

Os que deram seus votos sentem-se enganados, como a estar com emplastos engasgados, e a exaltação se generaliza pela população, sendo autêntica, não genérica.

A pessoa pública em questão deve estar com dificuldades em curar a dor de cabeça da mulher, e a própria. Muitas pílulas. A sensação alheia é a de “não é ladrão, não sabia, uma pinóia!”.

Nada foi confirmado. A investigação está sendo feita. Os indícios são muitos. Como aqueles que nunca vão ao médico por alegar que não saber da doença evitará os males advindos dela. Nesse caso, inverso. Todos sabem, sabiam. Faltavam provas. Ou estavam lá e ninguém queria expor.

Mesmo o nome não sendo citado, os vereadores já se aninharam em um só grito: impeachment. Alguns que até usaram da fama do ‘homem das curas’ para alcançar o plenário. Plenos de si. Têm que mostrar índole e rechaçar tudo que se pareça com corrupção. O alívio dos populares ao verem a punição sendo feita será melhor do que o de qualquer leito particular, ou droga experimental panacéia. Fica a saciedade dos enfermos, que por hora se apoiarão nessa bengala moral, deixando o caminho livre para outros escorregões de dinheiro a ferir forros de mala.

Sem necessidade de SAMU ou S.O.S. Sempre sob panos e ataduras frias.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Desmilinguido

Desgarrado de glórias
Vou no vácuo da História
A saber, a vitória
É um chove não molha

Sou um eu que é finito
E se expande no grito
Tragicômico, aflito
De ideia em conflito

Uma vaga lembrança
Uma faca, uma lança
Algo para a pujança
Sem alcance, já cansa

O malogro é sabido
Com o choro contido
De ilusão, vou despido
Desmilinguido

domingo, 22 de maio de 2011

Meu mundo quase se acabou (por causa da violência urbana)

Meu mundo por pouco não se acabou. Quase morri. E quem não? Sopros de vida e morte são irmãos univitelinos separados provisoriamente, mas têm uma ligação tão forte que o pensamento de um não sai do outro, e vice, e versa. Se a visão de mundo de cada pessoa se difere pela percepção que se tem dele, não há só um, são vários, isso sem nem cogitar outras galáxias, ficando apenas com o comumente aceito. Assim, o mundo próprio de uma pessoa se esvai quando a chama vital deste sucumbe e, não nos atendo a previsões ‘Nostradamicas’, apocalípticas, vivendo numa sociedade onde regras e conceituações são compartilhadas, pode ocorrer de passarmos o apuro de quase irmos dessa pra melhor, ou pior, por fatalidade da violência urbana, e comigo já quase aconteceu.

No caso recente de Florianópolis, quando um rapaz morreu ao sair do baile, depois de ser espancado por uma corja, por ter se envolvido com uma ex-namorada de um dos meliantes, me vem à mente a cena quase idêntica que aconteceu comigo há algum tempo atrás.

O ano era 2006. Eu fazia o curso pré-vestibular no CEPROCAMP (Centro de educação profissional de Campinas “Antônio da Costa Santos”), instituto de ensino que fica ali onde era a Estação FEPASA. Saímos da aula aproximadamente umas onze horas, e descíamos pela Rua Costa Aguiar, paralela a Treze de maio, rumo a Avenida Francisco Glicério. Vimos que subia um grupo de uns vinte caras, fazendo algazarra, causando. Não mudamos o trajeto. Continuamos. Pouco antes de chegarmos a Senador Saraiva, nos topamos: havia algumas garotas no nosso grupo; éramos três homens e três mulheres, sendo um casal. O bando passou mexendo com as mulheres e eu quis delimitar o domínio do espaço. Hã. Só não aconteceu nada mais grave porque uma garota interveio. Mais detalhes um tanto 'literariamente' descritos aqui:

Enfim, continuei vivendo, umas duas semanas com dores no corpo, com escoriações. Passou. Como tudo. Penso que o meu destino poderia ser o mesmo do outro, ou de tantos - o próprio Toninho, foi assassinado abruptamente, caso que até hoje não foi totalmente esclarecido.

Comigo, ou houve um erro de datas de idas, ou não estava na minha hora. Agora se era pra eu ter ido naquele bonde, e fiquei, tudo que veio depois é extra, e talvez por isso o caminho seja tão esburacado, cheio de capotes, por ter escapado da senhora de capuz que ceifa sem dó, e que a violência urbana anda fazendo trabalhar demais ultimamente, à revelia.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Tomé

É difícil só ver
Sem poder ter
Ao mesmo tempo não querer, prender
O desejo de posse é de doer

Ninguém gosta de roer
A unha a coser
Planos de fazer,
É hora do vamos ver:

Só olhar, não dá!
Fechar os olhos pra esquecer
Outro traçado a caminhar
Um Tomé desacredita.

Lidando

Eu hoje escrevo palavras que não dizem nada. Pela vontade, com dedos nas teclas. Aqui.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Azul

Azul. ‘Tudo fica blue’, como cantava Soweto  em ‘Farol das Estrelas’, como é o nome do álbum de Nina Beckerou como aquela “alegria agora, agora e amanhã... azul, é a cor do país...”. 

O mercado fonográfico sentiu o baque. Os piratas democratizaram mais o consumo de ‘cultura’, que chegou a um valor exorbitante por CD, a favor do lucro das gravadoras, ao passo, os artistas perderam em direitos autorais, mas ganharam em liberdade na concepção, com o surgimento de várias gravadoras independentes, ‘home-studios’, tendo retorno financeiro nos shows, divulgando pela internet suas artes. Ficaram as sacolas azuis esverdeadas dos camelôs como marca registrada, qual um copyright.

“... ‘Sambas azuis’, como os tons mais azuis, que um pintor andaluz, sutilmente, muito levemente, u-s-o-u na-que-las te-las...”, comporam Ed Motta e Nei Lopes http://www.radio.uol.com.br/musica/ed-motta/samba-azul/186461?cmpid=clink-rad-ms.  
    
Há também o azul da capa do livro de João Antônio, ‘Malagueta, Perus e Bacanaço’, um tom de Graciliano – que era um dos escritores preferidos dele -, na prosa da caótica vida suburbana dos grandes centros urbanos.

A editora Abril lançou no ano passado uma coleção com reedições dos grandes clássicos da literatura mundial, com capas de cores variadas http://colecoes.abril.com.br/colecoes/classicos-abril-colecoes-536162.shtml. Tenho alguns comigo, como os dois volumes de ‘Ilusões perdidas’ de Honoré de Balzac, que ainda estão lá, na biblioteca pessoal, aguardando para serem lidos. História de ficção que se mistura com a própria invenção do jornalismo. A capa é de um azul-marinho escuro, modelos de calças de uniformes. 

O mais azul dessa coleção – ou no tom de azul que comumente vemos, e que está agora aqui -, é ‘Os sertões’ de Euclides da Cunha, jornalista que cobriu parte do ocorrido, como correspondente d'O Estado, e relatou minuciosamente todo o contexto do embate em Canudos, juntando todos os elementos (céu, terra, água, ar),  ao elemento humano. 

Para cima é desejo de voar. Sem as braçadas certas se morre afogado. O mar reflete o céu. Não são necessárias lentes para enxergar a beleza. Ou pílulas benfazejas para quem precisa.

domingo, 8 de maio de 2011

Quem dança no baile entre mundos

Existem dois mundos: o de quem vive e o de quem não vive. Pode se dizer que quem não vive a vida plenamente já morreu, e é verdade. Os não viventes são como vivos-mortos, mortos-vivos; aqueles que não encontraram a melhor maneira de se locomover pelo solo terrestre e por isso só fazem peso. Gravidade. Ela derruba, ela baqueia, devido a essa força dela, por ínfima que seja a tentativa de formular uma vã filosofia, há de se acrescentar porções de física e de qualquer outro estudo humanístico para compreender o que move cada ser, forjando uma fórmula que poderá ficar completa. Momentaneamente.

Muitos se encontram em certos nichos da sociedade, literalmente e também no ‘modus vivendi’, facetas que dão a sensação de pato feio aceito pela mãe – círculo social, boates, festas -, onde certas ideias e alguns procedimentos são compartilhados, como batata quente que corre de mão em mão. Uma hora estoura. Esse momento é quando os indivíduos e suas particularidades se sobrepõem ou sobressaem à ordem estabelecida pela maioria, mesmo que em suma, seja um tanto caótica.

Sem o mínimo nexo necessário, fica perdido o eixo, o da própria pessoa como o da Terra, progenitora de todos, e para qual todos voltam, porque como um girar de um globo ao piscar de luzes dentro de um quente ambiente na madrugada fria, como um disco que de tão riscado para na mesma faixa, como um estoque de bebida que acaba juntamente com a noite, tudo tem seu fim, e todos; e voltaremos para o seio de quem nos gerou: o mundo.

A roda viva da vida continua a girar. Na continuidade cíclica, talvez muitos cheguem a conclusões parecidas, ou batam cabeça como estilo musical e ideológico, às vezes sem querer, levados pela situação, no meio do salão, dançando. A conclusão é: quem segura hoje a criança é porque outrora já dançou, e quem não dança, nunca vai segurar criança nenhuma, pois quem não dança já dançou, só que de outra forma, figurativamente, perdeu, o passo a passo do seguir. Dois pra lá dois pra cá. É a busca. Quando dois se juntam vão pra qualquer lado fazer qualquer outra coisa, ou ficam ali no meio, em meio, quando o desejo é só bailar.

O mundo exterior é deixado de lado com a altura do batidão. O mundo interior fala mais alto pelo pulsar do coração. Os dois devem ser aliados, para não se ficar perdido entre mundos, sem nem viver uma vida verdadeira, e nem morrer uma morte digna, ao léu, no vento, dançando conforme, sem estar nos conformes.  

domingo, 1 de maio de 2011

Se dar ao trabalho de ver.

Foi uma descoberta. De repente as mãos ficaram frias, o coração palpitante e, mesmo com o árduo gélido ar do dia compactado em panos de lã, o corpo tremia.

Como uma aparição. Algo que a imaginação não atinava existir se tornou referência para enxergar o caminho até o túnel. Luz.

Um tesouro. Sabido era que estava lá, mas a dificuldade em perscrutar os vales de pedras sobrepostas que eram os sentimentos rijos, fez o explorador perder o pique, havia muita dificuldade; dava trabalho, todo dia, a postos, para isso mesmo. Se dar ao trabalho. O esqueleto fraquejou. O pensamento por sua vez não quis deixar a ideia fixa fugir, e como um martelo a estraçalhar os maus agouros da desesperança, foi quebrando a armadura, vendo que o interior não era oco. Pérolas. O inverso de Thor – príncipe decaído de um mundo superior que se apaixona por uma humana comum -, o mistério desvendado dava àquele plebeu um status nobre, transcendental.

Era ela, humana como ele, que o transformava em algo mais, nada tão místico assim; apenas mais força para lutar contra as intempéries do dia-a-dia. O que dá trabalho, repetitivo e sem empolgação na maior parte, mas quando o coração é tocado, tenta repassar o que sente, formando um círculo vicioso de descobertas que tirarão as vendas dos olhos daqueles que já não se surpreendem com pequenas coisas, que estão acobertadas pelas futilidades.